quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

O SENHOR DAS ÁGUAS - UNIDADE XII - CAPÍTULO 1 - PARTE III


– Vou perguntar, Lourdes... E ao Tanaka também... Ele está aqui em Boa Vista?

– Acho que sim...

Tudo isso entre uma gansada e outra.

– Você tem o telefone dele?

– Eu?! Porque eu teria o telefone dele, Brando?!

– Não sei. A sua filha deve ter...

– Não se faça de bobo, Brando!

– Eu não me lembro do telefone agora, bolas!

Mas Maria de Lourdes não ouvira mais nada, porque fora atender a uma das criadas que a solicitara...

Voltando logo em seguida...

E comunicando ao marido:

– Brando... – ouviu um “o que é?” meio rouco. – Tem um moço aí querendo falar com você com urgência... Ele pergunta se você pode recebê-lo agora...

– Um moço?! Que moço, Lourdes?!

– Tenória me disse que ele é da polícia...

– E o que a polícia quer aqui, Lourdes?!

– É melhor receber o rapaz pra saber, Ildebrando!

– Hã?!... – neste momento os gansos chiaram uns com os outros, uma algazarra somente tolerada porque os animais eram realmente muito queridos do grande latifundiário. – Não!... – Lourdes ficou sem saber se a negativa correspondia a sua solicitação ou aos gansos, o que era mais provável, pois eles ameaçavam partir para cima do seu dono, excitados ao extremo neste momento. – Diga que eu não estou...

– O quêêêê? – berrou Lourdes que não entendera.

– Diga que eu não estou, Lourdes!

– Tarde demais, meu amor. Tenória já disse que você estava em casa...

– Que caboclinha estúpida, meu Deus! – esbravejou Ildebrando como que pensando alto.

– O quêêêê?!

– Nada, Lourdes!... Deixe qu’eu vou receber o rapaz... – disse Ildebrando largando os gansos. – Vou tomar um banho antes... – completou, batendo as mãos. Pó de ração esvoejou para todos os lados. – Mande-o esperar, sim?

– Sim senhor, Senhor Ildebrando Seixas – retrucou Maria de Lourdes com uma ironia fanfarrona.

Depois de um banhozinho básico...
 
          Ildebrando Seixas recebeu Paranhos em seu gabinete de trabalho...

domingo, 25 de novembro de 2012

O SENHOR DAS ÁGUAS - UNIDADE XI - CAPÍTULO 8


Dona Wirna me pediu pra ficar até um pouquinho mais tarde hoje...

Meeerda!

Logo hoje qu’eu ia sair com o Rodolfo!

Já liguei desmarcando tudo...

O seu Celso já foi embora...

Ela tá aí ainda...

Falando ao telefone o tempo todo...

Naquela língua complicada dela...

Às vezes ela fala em inglês também...

Eu entendo alguma coisa...

As coisas andam muito agitadas na Sweetwaters ultimamente...

O Rodolfo ficou preocupado com aquelas coisas que o irmão dele falou pra gente...

Eu fiz o que ele mandou...

Tô fazendo de conta que não aconteceu nada...

E o seu Celso não tocou mais no assunto...

Nem a dona Wirna...

Sabe do que mais? Não aconteceu absolutamente nada! O seu Celso e a dona Wirna não são criminosos, assassinos...

É tudo besteira...

– D. Sylvia... – disse Wirna Schwarschlegell, abrindo a porta de sua sala. – A senhora pode ir. Eu fecho tudo por aqui. Obrigada. Até amanhã...

Sylvia Salgado pegou suas coisas, já estava tudo arrumado, e despediu-se da patroa.

“Talvez ainda haja tempo de pegar aquele cineminha com o Rodolfo”, pensou Sylvia, satisfeita da vida.
Ela deixou o prédio na Sweetwaters, como sempre fazia, em direção a sua casa...

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

O SENHOR DAS ÁGUAS - UNIDADE XI - CAPÍTULO 7 - PARTE 7


– Descubra tudo o que você puder sobre as conexões entre a Sweetwaters e os figurões de Boa Vista...

– E se houver outros testas de ferro acima desses?

– Nós descobriremos, Sérgio. Não se preocupe...

– Posso lhe fazer uma pergunta, Felipe? Acredito que você não foi tão honesto comigo...

– Mais ou menos. Se você precisar de outros dados pra acrescer a sua matéria, é só nos procurar...

– OK, Felipe. Muito obrigado. Mas você pertence ao serviço de inteligência do exército, não é?

– Eu trabalhava no 7º PEF...

Sérgio Tavares continuou fitando seu interlocutor, sem esconder a surpresa.

– Eu, e minha colega no quartel, a Tenente Nascimento, fomos os responsáveis pelo desmantelamento do acampamento dos traficantes, bem como a prisão do seu chefe, o Comandante Salas... – continuou Felipe, mudando de tom. – Mas no dia que os traficantes voltaram pra se vingar – continuou Felipe – eu estava em Boa Vista... Acho que fui sorteado no céu pra sobreviver naquele dia – desconversou Felipe.

A pausa que veio a seguir significava que Sérgio Tavares estava digerindo aquilo que acabara de ouvir.

– Que situação! – disse o jornalista, que não tinha mais nada para dizer. – Bem... Eu posso ligar pro seu hotel?... Caso descubra novas pistas?

– Fique à vontade – retrucou Felipe, ainda sério. – Ou entre em contato com Mouzon – continuou ele, entre debochado e carinhoso. – Nós trabalhamos juntos neste caso, esqueceu?

Felipe se levantou do luxuoso sofá onde se sentara. Esta sala devia ser destinada a convidados muito especiais. Ele deu uma última piscada de olho para o jornalista e saiu.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

O SENHOR DAS ÁGUAS - UNIDADE XI - CAPÍTULO 7 - PARTE 6


– Estou pensando que a Sweetwaters é a maior Organização Não Governamental ambientalista em atividade no mundo. E por estar presente em todos os cantos do planeta, eles conhecem como ninguém os segredos de cada ecossistema... Meu Deus, Felipe! A Sweetwaters talvez sirva de fachada pro maior golpe de apropriação indébita da face da Terra!

– Muito mais do que isso, Sérgio. A Sweetwaters, na verdade, não passa de uma agência de inteligência apátrida, com a função de investigar e enviar as informações necessárias pra esses grupos particulares envolvidos com desestabilizações políticas nos locais de interesse deles...

– E com a anuência dos governos nacionais...

– E de toda a sociedade local que os auxilia...

– Quem são essas eminências pardas manipulando a Sweetwaters, Felipe?

– Você não quer que eu faça o dever de casa pra você, quer?

– Agora eu estou entendendo o que o Mouzon e o Paranhos queriam de mim...

– A PF vai gostar de saber disso...

– Mas você está... trabalhando com eles? – perguntou Sérgio Tavares, incrédulo. Felipe anuiu, paternalmente. – Agora está tudo claro pra mim...

 – Acho que podemos colaborar muito mais uns com os outros...
 
        – Eu também acho – retrucou Sérgio, satisfeito, e emendou mordaz: – Diga ao Mouzon que ele não precisa ficar preocupado. É do meu interesse também apurar toda esta história...

sábado, 17 de novembro de 2012

O SENHOR DAS ÁGUAS - UNIDADE XI - CAPÍTULO 7 - PARTE 5


– Mas se essas pessoas com um poder acima da lei querem pôr a mão no ouro e nas outras riquezas que estão por lá, o que as está impedindo?

– Está é a questão, Sérgio. Imagine que daqui a um par de décadas, a água se torne um bem muito mais precioso do que o petróleo é hoje...

– De certa forma já é; existe pirataria de água na Amazônia.

– Eu sabia que você era um sujeito bem informado. Agora continuemos o nosso exercício de imaginação... Vamos supor que haja entre essas pessoas um círculo bem menor, que deseje tornar toda esta região uma grande fazenda privada...

– Seriam os donos da maior reserva de água potável do planeta.

– Eu não estava mentindo quando disse que você tinha um cérebro, Sérgio Tavares...

– E quem seriam os candidatos a donos da Amazônia?

– Novos personagens apareceram na trama de ontem pra hoje...

– Novos personagens ou novas instituições?

– Ambos...

– Cite-me um apenas...

– Vou citar uma instituição que talvez seja o fiel da balança nessa história...

– Diga...

– Você conhece a Sweetwaters?

– Se eu conheço a Sweetwaters? Eu já estive lá entrevistando os dois executivos responsáveis pela ONG no Brasil...

– Então você sabe os nomes deles...

– Mas é óbvio que eu sei... Meu Deus!...
 
          – Acho que posso imaginar o que você está pensando neste instante, Sérgio...

terça-feira, 13 de novembro de 2012

O SENHOR DAS ÁGUAS - UNIDADE XI - CAPÍTULO 7 - PARTE 4


– Essa é nova pra mim!

– Voltando àquela história do 7º PEF, você deve ter lido que aquela unidade foi completamente destruída por um ataque dos traficantes, matando todos os militares que estavam de serviço naquela oportunidade. Foi uma retaliação dos traficantes, sabia?

– Porquê?

– Porque dias antes, nós e a Polícia Federal havíamos estourado um acampamento clandestino deles, e capturamos um homem de nacionalidade venezuelana, um tal de Comandante Salas, que nós descobrimos estar infiltrado na Miko Exportação & Importação, uma empresa japonesa que comercializa a produção dos rizicultores naquela região...

– Realmente, Felipe. Há muito mais coisas que imagina nossa vá imprensa – retrucou Sérgio zombeteiro.

– Você é um jornalista muito bem informado, Sérgio Tavares, sem dúvida...

– Sem dúvida, Tenente Corrientes. Agora estou me lembrando daquela lista de notáveis da sociedade de Boa Vista que o delegado Paranhos me mostrou quando eu estive por lá...

– Tem muita gente envolvida nesse caso da Raposa Serra do Sol agindo por trás dos bastidores, manipulando pessoas para alcançar um fim bem específico...

– A devastação da Amazônia?

– Talvez eles não queiram a devastação da floresta em si, e sim torná-la uma área mais rentável...

– Eles quem, Felipe?
 
          – Bom, aí nós entramos numa seara de pura especulação...

sábado, 10 de novembro de 2012

O SENHOR DAS ÁGUAS - UNIDADE XI - CAPÍTULO 7 - PART 3


– Porquê?

– Você deve ter lido nos jornais sobre o ataque que sofreu o 7º Pelotão Especial de Fronteira de Uiramutã, há alguns dias atrás?...

– Sim, eu li.

– E a que conclusão você chegou?

– Há muita coisa envolvida nesta região, tenente... E o tráfico de drogas internacional, como a hidra que lutou contra Hércules, estende seus tentáculos por todos os lados...

– Bem, vejo que você tem um cérebro que pensa mais ou menos...

– E enxergo muito bem também. Talvez vocês estejam procurando o Hércules pra acabar com o monstro, não é?

– Muito espirituoso... Você não está fazendo uma matéria sobre o tema?

– Sobre as lendas gregas?!

– Você, realmente, é muito engraçado...

– Não, tenente. Na verdade eu não tenho muito senso de humor.

– Não tem importância. Não há nada de engraçado acontecendo em Roraima...

– Nada mesmo.

– Mas e a sua matéria sobre o assunto?

– Na realidade ela está quase pronta...

– Por um acaso você menciona as múltiplas conexões do tráfico internacional com outros setores importantes da sociedade?

– Quais setores? Seja mais específico, por favor. 
 
         – Os rizicultores...

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

O SENHOR DAS ÁGUAS - UNIDADE XI - CAPÍTULO 7 - PARTE 2


Ao voltar ao seu hotel, Felipe recebeu um recado de Sérgio Tavares. Ele só deixara um telefone celular para entrar em contato.

Por volta de nove horas da noite as duas personagens puderam se encontrar. O local de encontro foi mesmo no jornal, numa sala reservada pelo próprio Sérgio Tavares para a ocasião.

– Confesso que seu recado, Tenente Corrientes, me deixou bastante intrigado. Eu não sabia que o “Exército” está trabalhando no caso da reserva Raposa Serra do Sol...

– Mais ou menos. A propósito. Pode me chamar pelo meu primeiro nome, e esqueça-se da minha patente.

– Muito bem. Você conhece o delegado Giuliano Mouzon da polícia federal?...

– Mais ou menos...

– Eu acho que você está querendo mais ou menos me despistar...

– Mais ou menos.

– O que vocês do exército estão procurando?

– O que nós queremos é aprofundarmos o cabedal de conhecimentos sobre este incidente...

– A questão da invasão das fronteiras, não é isso?

– Mais ou menos.

– Eu acho que você deve entrar em contato com o delegado Mouzon. É ele quem está investigando os acontecimentos na reserva...

– Eu já o conheço, Sérgio Tavares.

– Eu o conheci em Boa Vista, quando a investigação estava apenas começando, e naquela oportunidade eu lembrei a ele que minhas fontes naquele estado eram iguais à zero...
 
        – Não se engane, Sérgio. Eu estou interessado nas suas fontes aqui do Rio e de São Paulo...

domingo, 4 de novembro de 2012

O SENHOR DAS ÁGUAS - UNIDADE XI - CAPÍTULO 7 - PARTE 1


Naquele mesmo dia, na parte da tarde, Felipe Corrientes saiu de seu hotel com destino à sede do jornal Folha da Tarde, entretanto, como era natural em situações como essas, não o encontrou de prima.

Mostrou sua carteira de identidade militar e pediu que o jornalista entrasse em contato o mais rápido possível, mas acabou se lembrando que acabara de jogar o seu celular fora. Não tinha importância. Deu o endereço e o nome do hotel onde estava hospedado, bem como o número do seu apartamento, e deixou o jornal. 

Ficou circulando pelo Centro velho da cidade, admirando algumas belezas arquitetônicas que ainda estavam de pé, a despeito da má conservação de muitos dos monumentos históricos da cidade do Rio de Janeiro, e foi parar na Praça da Cruz Vermelha, onde uma multidão se aboletava diante do Hospital do Câncer, tendo como vizinho, do outro lado da Praça, a sede da Cruz Vermelha no Brasil, outro prédio antigo caindo aos pedaços.

Sentou-se num dos banquinhos da praça e, juntamente com mendigos, desocupados, outros suspeitos em geral, e pacientes e acompanhantes do hospital do câncer, pôs-se a observar a chusma de pessoas que circulava pelo local, cada qual com suas esquisitices peculiares. Observou também o trânsito caótico das ruas próximas, e as barbaridades que os motoristas faziam, utilizando-se dos veículos para extravasar seus desvios psíquicos, e de como essas pessoas, ignorando sua doença social, faziam manobras absurdas com toda a impunidade dos agentes da lei, se convencendo de vez que a situação do Rio de Janeiro beirava mesmo a insanidade absoluta.
 
        Qual seria o remédio para esse tipo de situação limite? Perguntava-se Felipe Corrientes. Ele teve dificuldades para chegar a um diagnóstico preciso; talvez nem mesmo os médicos, que trabalhavam ali defronte, soubessem; mas intuiu, muito acertadamente, que a receita, qualquer que fosse, seria bastante amarga para a população desvairada, apressada e aflita, que parecia carregar um parasita não identificado...

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

O SENHOR DAS ÁGUAS - UNIDADE XI - CAPÍTULO 6 - PARTE 8


– O quê?!...

– Ele conhece muita gente importante. Trata-se de um jornalista engajado...

– Engajado em quê?

– Em produzir notícias. Nós precisamos de informação; então nós vamos contar a ele mais ou menos o que está acontecendo pra conseguir essas informações... Tá entendendo, Felipe? Acho que sim, afinal você era um S2...

– É... – retrucou Felipe com ânimo renovado. – Vamos ver o que esse tal de Sérgio Tavares tem pra nos contar sobre a Sweetwaters...

– Não só sobre a Sweetwaters, mas talvez sobre o próprio Senhor das Águas...

– Mas então você sabe quem é ele?

– Claro que não. É apenas um palpite. Não tenho nenhuma prova...

– Quem é o sacana, Mouzon? Fala!

– Calma, Felipe! Se você não puder me ajudar, é preferível ficar de longe pra não atrapalhar...

– Tá bom... Você tem razão...

– Não sei se é um bom negócio botar você nisso, sabe...

– Não, Mouzon... Eu sou treinado pra isso...

– Assim é que se fala! Lembre-se, se você pisar na bola nós estamos fo-di-dos!

– Pode confiar em mim. Quem é o cara?

– Ildebrando Seixas ou Osumi Tanaka – retrucou Mouzon reticente. – Arroz com feijão. Batman e Robin. Romeu e Julieta. Tonico e Tinoco...

– É bem possível, Mouzon – tornou Felipe depois de raciocinar um tempo. – O patife do Amarilla deve mesmo trabalhar pra eles...

– Percebe? O apagador de incêndios no PAÍS DAS ÁGUAS. Um, o poderoso rizicultor estabelecido ilegalmente na reserva, dono do céu e da terra em Roraima, o outro o exportador, o sócio...

– E a prova disto é que o Amarilla tinha um crachá da empresa do japonês!

 – Um dos dois deve ser o tal do A2, que enviou a mensagem pro Celso Pontes, o outro o próprio “Boss”.

– Peraí, Mouzon... – atalhou mais uma vez Felipe depois de reconsiderar. – Se nós dermos o serviço pro jornalista, ele vai entrar de sola na Sweetwaters, aí as letrinhas vão ficar alvoroçadas e as nossas pistas, ó...

– Que porra de letrinhas são essas?

– A1, A2, A3, os membros da hierarquia.

– Mas é exatamente isso que eu quero!

– É?

– Claro, Felipe! Veja bem. Celso Pontes e Wirna Schwarschlegell vão entrar em contato com seus superiores. Com todos estes indícios a nosso favor, dá pra solicitar à justiça de Roraima uma escuta telefônica na casa de Ildebrando Seixas. Aí, meu amigo, nós o pegamos!

– É, Mouzon... Você é mesmo um sujeito supimpa, sabia? 

– Muito obrigado, “Tenente Corrientes”...

– Tenente é o caralho!

– Tome o meu cartão, “Oficial”, para o caso de você ter dificuldades de encontrar o cara...

– Não precisa, “papai”... – replicou Felipe, num misto de jocosidade, orgulho e ironia. – A minha carteira também é quente, “meu”...

– Você está me sacaneando só porque eu sou paulistano?

– Não... – disse Felipe voltando a sorrir. – Sabe de uma coisa, Mouzon? Nós dois formamos uma excelente dupla, não acha?

– Acho. Agora vamos àquele chopinho, por favor. Estou com muita sede, “parce’ro”...

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

O SENHOR DAS ÁGUAS - UNIDADE XI - CAPÍTULO 6 - PARTE 7


– Não, obrigado. Eu não bebo.

– Eu sei, mas eu bebo... – eles se deslocaram até o quiosque mais próximo. – Na verdade eu vou cuidar da Sweetwaters à distância...

– Como assim?

– Eu vou monitorá-la de todas as formas possíveis, Felipe, até porque a Sylvia Salgado, a secretária da Sweetwaters, corre perigo de vida. Eu acho que vou botar você pra protegê-la temporariamente, sabe?

– Eu?!

– É. Você, com treinamento militar de combate na selva e o caralho, é o homem ideal pra fazer este tipo de trabalho... A propósito. Você deve ter uma arma, ou não?

Felipe desconversou redarguindo:

– Por falar em selva, e o tal do Amarilla?

– Depois que essa secretária nos caiu do céu, eu não tenho nenhuma dúvida que ele vai cruzar o nosso caminho de novo. Mas antes de você cuidar da senhora Salgado você vai fazer uma coisinha pra mim...

– Qualquer coisa que me ajude a pôr as mãos nas pessoas que assassinaram a Celha, Mouzon.

– Nós vamos encontrá-las, Felipe. E vamos pô-las na cadeia... Que tal fazermos uma visitinha à Folha da Tarde?

– E o que vamos fazer lá?

– Na verdade eu não vou. Você vai no meu lugar... Conversar com o Sérgio Tavares...

– Quem?
 
          – É um jornalista conhecido meu. Você vai adoçar a boca deste homem...

sábado, 27 de outubro de 2012

O SENHOR DAS ÁGUAS - UNIDADE XI - CAPÍTULO 6 - PARTE 6


Mouzon passou para Felipe um pedaço de papel impresso. O futuro ex-tenente do exército desdobrou-o e leu uma cópia da daquela mensagem encaminhada a Celso Pontes pelo seu superior em código “A2”.

– Essa dona Sylvia Salgado pode ser mesmo uma bisbilhoteira de carteirinha – disse Mouzon, rindo sozinho da própria piada, e completou: – Graças a Deus!

Felipe não fez nenhum comentário logo depois de ler a mensagem. Limitou-se a fechar os olhos e abaixar a cabeça, como se quisesse imaginar cada lance de um jogo macabro. O papel continuou aberto na sua mão, balançando ao vento, correndo o risco de esvoaçar, enquanto Felipe continuava de olhos fechados.

– O Paglia fazia parte desta hierarquia? – perguntou Felipe, arrasado, tentando dominar suas emoções.

– Tudo indica que sim – retrucou Mouzon compungido.

– Realmente – volveu Felipe dorido. – Agora as coisas começam a fazer sentido...

– Eu vou precisar de você, Felipe – disse Mouzon, fitando-o intensamente. – Eu não confio em mais ninguém...

– Nós vamos atrás dos executivos da Sweetwaters?

– Ainda não – respondeu Mouzon laconicamente. – Quer dizer, não diretamente. Neste pedaço de papel já há indícios suficientes de crime, como assassinato e formação de quadrilha, o que nos permitiria entrar na Sweetwaters para investigar todos os computadores da empresa com um mandato judicial. Entretanto, se nós fizermos isso, as pessoas por trás deste “PAÍS DAS ÁGUAS” vão desaparecer. Podemos até conseguir processar os executivos da Sweetwaters, mas o maioral dentro desta hierarquia, por exemplo, o Senhor das Águas, vai apagar suas pegadas pra sempre, e nós vamos ficar como estamos agora, procurando barquinhos num horizonte infinito...

– Você vai me desculpar, Mouzon, quem sou eu pra ficar ensinando missa pro vigário, mas este papelzinho não prova nada! Qualquer um pode forjar uma merda dessa!

– Tudo bem, mas isto não invalida o fato de que qualquer barulho irá afugentar O dono da bola... Isso você concorda...?

– Por onde começamos?

– Ué! Não quer mais se suicidar?

– Não enche, Mouzon!
 
          – Vamos ali tomar um chopinho que eu explico o que nós vamos fazer...

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

O SENHOR DAS ÁGUAS - UNIDADE XI - CAPÍTULO 6 - PARTE 5


Mouzon interrompeu-se, remoendo algo.

Felipe silenciou também, enquanto fitava o mar de seus sonhos longínquos, talvez para se despedir dele definitivamente, então parou e fitou Mouzon com uma expressão altiva.

– Você ia dizer mais alguma coisa, Mouzon...

– É... Ia...

– O quê?

– Não tô querendo dar uma de filósofo, nem bancar o pai pra você, mas a sorte volta e meia sorri pra nós quando a gente menos espera, sabia?...

– É o que dizem...

– É o que dizem, não, é verdade!

– Tá... – retrucou Felipe meio enfarado. – O que você queria dizer mesmo?

– Você conhece uma ONG multinacional chamada Sweetwaters? – Felipe continuou a encará-lo mudo, indecifrável. – Conhece ou não conhece, porra?

– Quem não conhece a Sweetwaters? Mas o que ela tem a ver com essa porra toda?...

– Muito mais do que qualquer um de nós poderia imaginar...

– Peraí...

– Eu disse a você que a sorte...

– Foda-se a sorte, Mouzon! O que a Sweetwaters tem a ver com essa porra?

– Essa mulher salvou a pátria pra nós, rapaz!...

– Que mulher você está falando, caralho?

– Ah! Está interessado nela?

– Fala logo, Mouzon!

– Os dois maiores executivos da Sweetwaters no Brasil tem uma secretária que é bisbilhoteira...

– Pooorraaa!

– Foi graças a esta santa, que eu descobri uma operação chamada PAÍS DAS ÁGUAS, que tem a ver com essa merda toda que está acontecendo em Roraima. Dentro desta operação existe uma hierarquia muito bem montada sobre uma empresa que eu diria destinada a começar o Apocalipse...

– O quê?! Você enlouqueceu, seu veado, ou andou bebendo?! O que quer dizer “PAÍS DAS ÁGUAS”?
 
          – Um código que se refere à Amazônia, com toda a certeza. Quem quer que tenha montado esta operação, uma empresa daqui ou de fora, ou um particular qualquer, bolou um esquema pra se apropriar da reserva Raposa Serra do Sol...

terça-feira, 16 de outubro de 2012

O SENHOR DAS ÁGUAS - UNIDADE XI - CAPÍTULO 6 - PARTE - 4


Mouzon chegou logo depois da ligação.

Felipe estava sentado num dos bancos de cimento que ficavam no calçadão da praia. Solitário, contemplativo.

– Não consegui falar mais com você... – disse Mouzon, calmo, sentando-se bem ao seu lado, e sem fitá-lo, como se quisesse disfarçar que o conhecia, embora esta não fosse sua intenção. Passou a olhar para o mar sem fim, igualmente num silêncio hermético. – Eu queria que você fosse me encontrar na sede da Folha da Tarde...

– O que aconteceu?

– Muita coisa...

– Acabei de destruir o meu celular...

– Porque você fez isso?

– Porque eu quero destruir tudo o que atrapalhe a minha liberdade.

– Garoto, estou começando a ficar preocupado com você, sabia?

– Não perca o seu tempo com isso...

– É sério, rapaz. Dentro de pouco mais de uma semana, sua licença termina...

– Não vou voltar pro Exército, Mouzon...

– O quê?!...

– Nem adianta tentar me dar lição de moral...

– Eu até posso compreender os seus motivos, mas você não vai consertar o mundo...

– E quem te disse qu’eu quero consertar o mundo?... – Mouzon balançou a cabeça, lamentando o estado do seu amigo, porém Felipe justificou-se antes que o delegado pudesse corrigi-lo. – Trata-se de uma questão de limpeza somente...

– Felipe! Você não é mais nenhum adolescente! – advertiu o delegado em tom de reproche. – Desculpe-me ser tão franco com você, mas você está agindo como um menino mimado, que acaba de perder seu brinquedo pra outro garoto mais forte, e não vê alternativa senão chorar! Todo mundo tem perdas na vida, e é nesta hora que temos de aproveitar a lição e crescer... A revolta, num primeiro momento, é benéfica, mas porque ela nos dá gana de reagir, não nos serve de nada se ficarmos agindo como um rebelde sem causa, que passa a punir o mundo por uma derrota natural, que acontece a todo mundo...

– Mouzon, eu não sabia que você era filósofo.

– Deixe de criancice, Felipe! Sabe o que vai te acontecer se não voltar dentro de uma semana pra sua unidade?...

– Serei acusado de deserção.   

– Pior, Felipe! Você vai ser processado e vai perder tudo o que lhe resta...

– O que me resta?

– Sua dignidade.

– Esta já perdeu o valor há muito tempo, Mouzon.

– Pode ser. Mas nós estamos aqui pra não deixar a peteca cair...

– Você talvez ainda tenha esta ilusão, eu não tenho mais!

– Tá certo, Felipe. Queres te suicidar, vai em frente. Eu não vou mais bancar o pai pra você...

– Obrigado. Isso é comovente.
 
          – Você tem o seu livre arbítrio. Aconteça o que acontecer, você vai pagar pelos seus atos...

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

O SENHOR DAS ÁGUAS - UNIDADE XI - CAPÍTULO 6 - PARTE 3


A bela praia de Copacabana...

Quantos poemas, quantos filmes, quantos intelectuais falaram deste lugar e o cantaram para o deleite do mundo...

Era isto...

O mundo amava Copacabana. Felipe amava Copacabana. Todo mundo amava as coisas belas, mas o Feio governava o mundo...

O que fazer para eliminar o Feio que contamina os belos corações sobre a face da Terra?

Felipe chegou à conclusão que algum dia ele amara todas essas coisas belas cantadas pelo poeta, mas o significado desta beleza de outrora estava perdido para sempre...

Felipe continuou lá, numa dor que era só sua, porém o celular, o objeto que talvez representasse melhor esta época desgraçada que ele vivia, sinalizou que o mundo ao qual ele já estava farto, ainda estava bem vivo a sua volta...

Era Mouzon...

Felipe deu todas as coordenadas pelo telefone de onde se encontrava e depois arremessou o celular o mais longe que pôde...
Não viu sequer onde aquele objeto, símbolo de um paradigma falido, foi espatifar-se...

domingo, 7 de outubro de 2012

O SENHOR DAS ÁGUAS - UNIDADE XI - CAPÍTULO 6 - PARTE 2


OK...

Mouzon também não a conhecia...

Certo.

Porém Felipe ignorava que este inimigo possuía alguns tentáculos, e que o seu novo amigo acabava de descobrir dois deles.

Felipe deixou o hotel onde estava hospedado a três dias, em Copacabana, na zona sul do Rio. Não deu nenhuma satisfação a Flávia para sair de casa, nem achava que precisava. Não levara muita coisa com ele, apenas o essencial para tocar sua vida nesses primeiros dias depois do despertar, quando, decididamente, afirmara todos os seus valores, abrindo uma guerra declarada contra seu mundo insustentavelmente avesso.

Flávia também não o procurara, ferida no seu orgulho feminino. Para Felipe este nome pertencia ao passado.

Largaria o Exército, a Marinha, a Aeronáutica! Tudo o que cheirasse a instituição solidamente constituída, porque, no seu íntimo, queria acabar com tudo, tijolo por tijolo, desta civilização caótica.

Mas não se enganem!

Não se tratava de um senso de destruição alucinado, inconseqüente, demente mesmo. Não. Era a resposta de uma mente consciente contrária a uma sociedade suicida, que alimentava outras tantas mentes criminosas, em todos os sentidos e direções; uma “organização” que precisava ser demolida com a inteligência de um líder puro de coração, que tivesse a coragem necessária para revelar ao mundo que o Rei estava nu.

Felipe não acreditava ser ele este homem, longe disso. Mas alguém tinha que enlouquecer, no bom sentido, e começar a cavar a estrada que amanhã serviria a todos os demais.

Este episódio da reserva Raposa Serra do Sol indicava o ponto ômega de todo o processo, embora, ao mesmo tempo, significasse também que o tiriteiro que manipulava as marionetes estava bem atento aos ventos da mudança, e trabalhava arduamente para consolidar todo este poder de lodo e cadáveres.

Felipe não queria saber de mais nada; acabara de morrer para este mundo dos equívocos milenares.
Ele chegou até a praia de Copacabana...

terça-feira, 2 de outubro de 2012

O SENHOR DAS ÁGUAS - UNIDADE XI - CAPÍTULO 6 - PARTE 1


 “Foi com muita dificuldade que a polícia conseguiu dominar a crise no Rio. A presença maciça da Guarda Nacional garantiu um reforço extra para a segurança do Estado, e, principalmente, na capital, onde o choque de desordem foi muito mais sério que nos demais municípios fluminenses. O Governador acusou o crime organizado de querer instalar o caos no Rio de Janeiro, uma vez que sua política de confrontação estava incomodando os interesses do crime organizado, mas ele afirmou que “a Polícia está pronta para limpar a cidade desses marginais que mancham o bom nome do Rio no resto do mundo”...

E blá blá blá blá.

Não é nada disso...

Ele largou o jornal, desanimado...

Sabia perfeitamente que a imbecilidade dos políticos nacionais convinha aos interesses de uma casta privilegiada, que jogava exatamente com a ignorância de todos os indivíduos da sociedade sobre as causas por trás da desordem organizada, uma vez que os caciques desta casta estavam muito acima do bem e do mal, vivendo em seus castelos inalcançáveis, onde um fosso de águas pútridas os separava dos demais mortais.

A própria imprensa não admitia – talvez porque grande parte dela também ignorasse – que este caos era produto de uma orquestração muito bem planejada, e que surtia o efeito requerido.

Será que eles não sabem, realmente, quem é o verdadeiro vilão – ou vilões – da história?
Bom, nesse caso estamos no mesmo barco, porque eu também não conheço a verdadeira face do meu inimigo, e duvido que Mouzon o saiba...

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

O SENHOR DAS ÁGUAS - UNIDADE XI - CAPÍTULO 5 - PARTE 6


 O cunhado achou-a “muito esquisita”, principalmente porque sugeria um assassinato. Ele achou melhor contatar a Polícia Federal mais tarde, uma vez que a própria era citada na mensagem em questão...

– Mas aí você vai envolver a Sylvia nisso! – protestou o marido da secretária, muito preocupado, como era natural.

– Não necessariamente – respondeu o irmão do marido. – Esses caras são craques nesse tipo de coisa...

– Que coisa? – insistiu o marido de Sylvia.

– Eles vão investigar sem que a Sylvia corra qualquer risco, ué...

– Mas o Celso sabe que eu li a mensagem – advertiu a própria Sylvia.

– Calma – volveu o cunhado. – Não há o que temer. Pelo menos por enquanto. Eu sugiro que você aja como se não soubesse de nada. E se for consultada por um dos seus chefes negue tudo, continue a se fazer de desentendida...

Mas o cunhado enganou-se no seu diagnóstico...

No entanto, por via das dúvidas, ele mesmo entrou em contato com a Polícia Federal...

Levaram uns dois dias até que ele estivesse no telefone com Giuliano Mouzon...

Depois do contato preliminar, Mouzon resolveu fazer uma visitinha ao colega na delegacia onde ele estava lotado. Nesta ocasião o cunhado de Sylvia deu-lhe uma foto da esposa do seu irmão, por coincidência ou não, tirada naquele mesmo dia do churrasco, quando ele tomou conhecimento do incidente entre Sylvia e os patrões na Sweetwaters. Assim sendo, o cunhado aproveitou a oportunidade para passar para Mouzon o conteúdo da mensagem transcrita pelo punho da própria Sylvia...

Mouzon sorriu de orelha a orelha, quando leu aquelas linhas enigmáticas, ainda que não realizasse instantaneamente seu conteúdo, mas a intuição do delegado era poderosa como um relâmpago, então ele releu a mensagem eletrônica codificada, tentando absorver seu conteúdo.

“Finalmente”, desabafou Mouzon, acrescentando: “Uma luz no fim do túnel”...

O cunhado de Sylvia encarou-o como se esperasse por um esclarecimento, mas Mouzon não entrou em detalhes a respeito do caso, o que fez com que o cunhado nem tentasse insistir.

Enfim...

Mouzon saiu da delegacia com o destino bem traçado em sua cabeça...

terça-feira, 25 de setembro de 2012

O SENHOR DAS ÁGUAS - UNIDADE XI - CAPÍTULO 5 - PARTE 5


Ao mesmo tempo, a mente de Celso Pontes trabalhava febrilmente...

Será que ela leu a mensagem?...

Claro que leu! O negócio é se ela entendeu o que estava escrito...

Acho que não...

Como ela poderia entender?...

De qualquer maneira é bom ficarmos de sobreaviso...

Vamos ver o que a Wirna vai dizer...

A “Wirna” quase estrangulou o companheiro quando soube do ocorrido. Sua primeira reação foi responder ao A2, a fim de relatar tudo a ele, mas logo desistiu. Não poderia dar uma demonstração de tamanha incompetência. Por um segundo ela acreditou que os ares tropicais a haviam contaminado em demasia, porém não demorou a entender que este assunto poderia ser facilmente administrado por ela mesma...

Sim, mas o que perpassou sua mente naquele momento dizia respeito a A2, de uma forma ou de outra...

Sentou diante do seu laptop e digitou uma mensagem destinada a A2. A mensagem era curta: “Enviem-me o Zelador. Status: urgentíssimo”.

“Zelador” era o código que designava a função de Nestor Amarilla dentro da hierarquia do PAÍS DAS ÁGUAS. Ou seja, pau para toda obra. Para a felicidade geral da nação, o “zelador” encontrava-se justamente no Rio de Janeiro. A resposta demorou menos que um dia para chegar.

Tudo estava resolvido.  

Por outro lado, Sylvia comentou este acontecimento com seu marido, ali, na hora do jantar, os dois sozinhos, esse tipo de coisa, um dos filhos na rua, a outra na faculdade...

Conversaram horas sobre todos os prováveis desdobramentos daquela fatídica mensagem. O marido de Sylvia achou que ela deveria esquecer o assunto, “pro seu próprio bem”, mas acontece que no fim de semana, num churrasco de família, o cunhado, delegado de polícia, foi consultado a cerca do conteúdo desta mensagem quase criptografada...

Sylvia não havia se esquecido de nenhum detalhe da dita cuja; tinha uma excelente memória; então o cunhado pediu-lhe que escrevesse o que ela se lembrava...