sexta-feira, 30 de setembro de 2011

O SENHOR DAS ÁGUAS - unidade I - capítulo 6


6



Felipe não...

Ele estivera em atividade o tempo todo na ausência de sua grande amiga Celha Regina...

Porém as preocupações de Felipe Corrientes eram de outra natureza...

Celha não ocupava seus pensamentos com tanta intensidade...

Quer dizer, não era bem assim, pelo menos não tão exato matematicamente falando, mas o fato é que a mente de Felipe trabalhava também em outras dimensões do presente...

Os Macuxis, afinal de contas, balançavam toda a estrutura de uma nação. Mal governada, é verdade, mal administrada, mal educada, culturalmente mal desenvolvida, mal explorada...

Enfim...

Um amontoado sem forma, o que talvez não fosse de todo ruim, porquanto todas as demais grandes nações do planeta estivessem numa decadência inexorável, enquanto que o Brasil ainda tinha muito a ganhar com o tempo...

Era isto.

Mas Felipe não tecia a rede em ínfimos fios, até por uma questão de clareza, haja vista que o seu temperamento era o ideal para uma guinada de 360°, no entanto...

Bem. Ele tinha uma missão a cumprir e se agarrava a isto de forma atroz. Jamais abandonaria o barco, acontecesse o que acontecesse...

E foi numa dessas idas e vindas tão pouco descontraídas que ele escutou aquilo que não deveria...

A porta do dormitório estava aberta. Era bastante tarde para a rígida disciplina militar, mas ele estava ali para contrariar padrões estabelecidos...

As vozes pareciam-se às de Siboldi e Gusmão; ele não tinha muita certeza, embora o silêncio reinante não lhe permitisse margem a erros...

Ele deteve-se instintivamente estático no corredor, às escondidas do mundo, ninguém por ali, tudo silencioso, então ouviu Siboldi dizer:

– Eu disse que você não devia passar essas informações ao A6. Nós somos meros operários nesta missão. Nem classificação em código nós temos, pra você ver...

Tudo levava a crer que o capitão Ernesto Siboldi passava uma sarabanda no sargento Gusmão, mas o motivo...

Felipe nem imaginava, embora a surpresa fosse enorme...

– Ele vai nos fritar se souber – voltava a advertir Siboldi.

E agora? O que fazer?

Antes que Felipe tomasse qualquer resolução, foi surpreendido por uma presença...

– Corrientes! – berrou Mascarenhas, tão surpreso quanto seu colega. Os dois se encararam com sentimentos bem distintos, porque o terror ameaçou tomar conta de todo o ser de Felipe, ao passo que a surpresa fora tão gigantesca que chegara quase a paralisar a respiração de Mascarenhas.

– Que que você está fazendo aqui?!

Felipe cacarejou, ou melhor, gargarejou, melhor ainda, gaguejou, mas acabou se saindo bem demais...

– Eu?!... Nada, ué!...

– Escutando atrás das portas, mano!!

– Eu?! – repetiu Felipe, robótico, bobônico. – Não!...

– Então o que você está fazendo por aqui à uma hora dessas? – Mascarenhas insistia com autoridade, embora seu posto fosse exatamente igual ao dele.

– Eu ia ao banheiro...

– Ia?

– Não, vou...

– Então vai de uma vez, porra!

Trêmulo, exasperadamente acuado, um medo pânico varrendo-lhe o espírito, ele saiu sem pensar.

Mascarenhas olhou-o numa estranha disposição apática, próxima àquela da morte certa, entrando no dormitório em seguida.

Quando Celha voltou, dois dias depois, a primeira oportunidade que teve Felipe falou-lhe a respeito da conversa ouvida nos bastidores em tom de desabafo.

Ele estava lívido, sem cor, como uma fruta madura recém- chupada pelo caruncho amoral, porém, Celha, percebendo seu estado deplorável, tratou de acalmar-lhe os ânimos.

– Isso pode significar tantas coisas, Felipe, que eu, se fosse você, nem perderia tempo em decifrar o conteúdo...

– Não, com certeza. Mas porque o tal de A6 ia querer foder os caras? E o significa A6?

– Volto a dizer: isso pode significar uma porrada de coisas, amigo...

– Mas também pode ter relação com aquilo que nós estamos investigando...

– Pode – retrucou Celha que não tinha nada de mais importante a dizer, o que poderia significar “é”, “tanto faz”, “sei lá” ou qualquer coisa.

– Mas que é esquisito, é – insistiu Felipe, como numa febre solene, obsessiva, carrapativa, etc. – Isso vai de encontro àquela sensação de catástrofe iminente que eu venho sentindo...

– Não vamos nos precipitar – volveu Celha a título de nada, fria como uma pedra de gelo. – A pior coisa que pode acontecer nessas situações é pegar uma conversa pela metade... ou pelo fim. Podem-se tirar mil e uma conclusões, e todas elas erradas.

Não se aprofundaram mais neste assunto...

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

O SENHOR DAS ÁGUAS - unidade I - capítulo 5


Um dia depois Celha saiu de folga...

Voltava a sua Recife natal, e Felipe voltou a pensar na sua angústia inexplicável, num Siboldi rancoroso e um ódio incompreensível, e nos Macuxis incomunicáveis...

Muitas eram as incógnitas desta equação maluca, e talvez ele não tivesse a solução para ela...

Felipe se atrapalhava com os logaritmos absurdos de uma existência malfadadamente ingrata, tudo isso num sentido filosoficamente abstrato, abrangente, e Felipe não possuía as ferramentas apropriadas para enxergar através das nuvens falhas da individualidade. O resultado final estava-lhe ao alcance das mãos; tosco, é verdade, mas ainda assim assimilável...

Celha Nascimento, no entanto, procurava se exprimir, pelo menos para consigo mesma, com o máximo de clareza possível, neste obscuro mundo masculino...

Ela sabia perfeitamente que Felipe era um ser “casadíssimo!”... Ele mostrara a ela uma foto da esposa, e ninguém anda com a foto de alguém na carteira se não gosta desta pessoa... Por mais que Celha achasse isso démodé não podia desconsiderar, ao mesmo tempo, a importância deste simples fato...       Lindíssima!...

A tal esposa...

Entretanto, Celha chegou a cogitar numa trama infantil de Felipe, para impressionar, porém logo depois descartou tal possibilidade. Felipe não era o tipo de homem que interpretava papeis falsos futilmente na frente de uma mulher... Na verdade ela duvidava disso, ou seja, ele só podia ser mesmo casado...

Mas será que era um homem feliz?...

Às vezes ela pensava que não...

Outras vezes...

Não tinha certeza...

Era complicado...

Felipe era um homem fechado a maior parte do tempo, salvo naqueles rompantes de indignação gratuita... Na verdade, ela sabia que esta indignação possuía alta dose de fundamento racional... Algo que estava acima da razão social a qual Felipe pertencia, extrapolando toda e qualquer condição estereotipada, porém, mesmo assim, ela custava a entender o porquê daquela condição de revolta...

Não... Realmente não podia ser.

Felipe possuía tudo na vida. Não tinha razão para se revoltar contra o mundo, e tendo a experiência que adquirira com o sofrimento de uma casta esquecida do Estado há séculos, como era a sua, e no que se transformara hoje em dia, ela podia compreender em termos...

Apesar de que, como também se acostumara a observar, muitas vezes uma revolta como a que Felipe sentia, justamente era o resultado natural de aquele ter absoluto; o possuir sem medidas, sem luta, sem dificuldades, sem obstáculos, que muitas vezes trazem um resultado oposto na educação de um adolescente, na formação de um adulto...

As manchetes dos jornais estavam cheias de notícias como estas...

As famílias idem.

Quando já se passou por certas situações na vida, situações extremas, como a de Celha Regina, e ainda por cima sendo mulher, uma mulher excluída naturalmente por condições sociais, atingindo patamares que uma pessoa nesta condição jamais imaginou que poderia atingir, começa-se a ver certas coisas que poucos mortais na face da Terra poderão assistir então se compreende que o homem revoltado, na realidade, é a única condição sensata que existe no mundo...

Engraçado...

Ao mesmo tempo, e apesar dos pesares, Felipe dava todos os indícios de ser um sujeito “companheirão”, amigo dos seus amigos, solidário, compreensivo, carinhoso, embora excessivamente mimado, teimoso quando contrariado, mas sutil em certas colocações, e todas aquelas coisas que as mulheres estão cansadas de falar, mas que nunca encontram...

Porque também não procuram.

Escravizam-se e acorrentam-se a um arquétipo, que nunca sairá das páginas de revistas, ou seja, uma coisa só para ser contemplada com a distância dos olhos do desejo, e não sentida na pele com sua intensidade libertadora...

Não é uma questão de incompetência, mas é porque a nossa sociedade trabalha em segredo para que todos nós estejamos isolados, solitários e infelizes...

Este é o verdadeiro papel da sociedade.

Celha acreditava que o dela era não deixar que ninguém se revoltasse contra esta condição...

Voltando a vaca fria, com toda a certeza do mundo, Celha sabia que Felipe abrigava um desejo secreto em relação a ela...

Tão secreto como a natureza das coisas, dos átomos; um segredo que ele pensava secreto, mas não o era...  

Como todo homem tímido, Felipe pecava por clareza na hora de deixar o sentimento transbordar em ação...

Mas ele possuía algo de muito importante, na opinião de Celha Regina: Felipe não era um homem inclinado a aventuras fora do casamento, mesmo que não fosse feliz com a esposa, fato que Celha tinha quase a certeza...

A timidez, esta doença da alma timorata, deixava-o inseguro para exprimir palavras simples de amor, a coisa mais inconveniente na visão dela...

Quanta infelicidade não percorria o universo graças a esta merda chamada hesitação do desejo profundo!...

 Essas e outras impressões perpassavam a mente de Celha enquanto ela ia vislumbrando o panorama acima do Cerrado brasileiro, da Caatinga interminável; olhar ao mesmo tempo de prazer e melancolia, um sentimento que todo nordestino traz em si no coração cigano...

Ela não sabia que rumo exatamente tomaria a sua investigação a partir daqui, pois lá no 7º PEF todos pensavam nela como mais um oficial do exército brasileiro e só...

Quando na verdade sua identidade real estava disfarçada a serviço de um poder transnacional...

Ela ficara indignada contra as nuvens, na falta de um objetivo concreto para despejar sua ira...

Ela também era humana, pensava mais uma vez, ainda sobre o vislumbre da paisagem verde fechada abaixo de si... E gostava um bocado de Felipe, mas o que ela iria dizer a ele?...

“Acontece, ‘Fê’”...

Ela adorava chamá-lo assim...

Dava um tom de intimidade, uma intimidade que seria muito bem vinda...

Porém perigosa.

 “Acontece, Fê, que eu não sou quem você pensa qu’eu sou”...

Qual seria sua reação?...

Ele não entenderia, claro...

“Quer dizer, sou, mas não de verdade”...

Não... Definitivamente ele não entenderia.

 “Isto não tem nada a ver com os meus sentimentos em relação a você, mas”...

É...

Definitivamente...

“Não me peça pra explicar aquilo que não posso fazer sob juramento”... 

Mas porque deveria imaginar aquilo tudo?...

E ela pensou em Deus...

Um Deus em que não acreditava.

Gostava muito dele...

De Felipe. Demasiadamente talvez... Porque não aproveitar então? Mas uma coisa era o seu trabalho, e outra bem diferente o seu tesão...

Ela não podia se prender a ninguém, esta era a questão. Amanhã poderia ser designada pro...

Sei lá...

Turquestão...

Aí alguém teria que matá-la aqui no Brasil...

Institucionalmente falando, claro...

Mas ela sentia por ele aquele algo a mais que se tatua na pele para nunca mais apagar-se...

E o pensamento intensivo sobre Felipe, a sua indecisão atávica, a irritou de repente...  

A intuição dele, da mesma forma...  

Aquela manifestação feminina que todo homem deplora em si...

“O que estaria fazendo o Coronel Paglia, aquele safado?”...

“O sacana havia lhe dado uma senhora cantada no outro dia... Aquele sem vergonha!... Fica longe da família”...

“Os Macuxis estão muito bem orientados, realmente, mas”...

Então, de repente, muitas nuvens turvaram a visão estupidificante de Celha Regina. Ela procurou dormir um pouco, esquecer, recostar a cabeça na confortável poltrona nacional e talvez sonhar...

Então apagou...

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

O SENHOR DAS ÁGUAS - unidade I - capítulo 4


E não demorou muito para ele demonstrar isso...

Eles se reencontraram logo depois dessa reunião “tipo secreta”...

Siboldi cobrou de Felipe uma atitude mais “inteligente” em relação à missão que eles desempenhavam.

– Como assim “inteligente”, Capitão? – indagou Felipe inocentemente.

– Quando a gente pede a palavra a um superior – continuou Siboldi com algum menoscabo – supõe-se que esse “alguém” tem algo muito importante a acrescentar...

Celha, para variar, estava em companhia de Felipe, e todos os personagens se entreolhavam, uns um tanto quanto atônitos, outros tensos, cada qual, porém, num partido bem determinado.

– Algo importante a acrescentar ao sucesso de uma empresa coletiva – continuou Siboldi em tom de crítica. – Não há mais espaço pra picuinhas regionalistas ou atitudes individualistas, você está entendendo Corrientes?

– Não, Senhor.

– Você está me entendendo perfeitamente, Corrientes, mas eu vou ser mais claro ainda: dá próxima vez que você for falar besteira na frente dos índios, avisa antes, porque eu não o deixarei estragar o meu trabalho novamente... Compreendeu agora?

Siboldi, Mascarenhas e Gusmão se retiraram meio que bufando.

Felipe olhou para Celha e comentou estupefato:

– Viu só?

Celha estalou a língua preocupada.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

O SENHOR DAS ÁGUAS - unidade I - capítulo 3


Todas as tentativas posteriores de entrar em contato com os macuxis esbarraram numa parede invisível.

Ao 7º PEF cabia um papel de passividade completa, o que desgostava sobremaneira seu comandante, Coronel Armando Paglia.

Paglia era um homem bastante carismático entre os seus comandados. Com uma envergadura privilegiada, mais de um metro e noventa de altura, cabelos meio grisalhos, porte atlético, pele muito branca, olhos claros simpáticos, costumava ser o primeiro nas ações florestais de rotina, pois aquela mata, dizia ele, era como se fosse o quintal de sua casa, embora a infância e adolescência tenham sido excessivamente urbanas, vividas na grande Curitiba, até ingressar no exército por influência do padrinho, oficial da mesma arma.

Armando Paglia viajara muito por este Brasil afora, sempre a serviço do país, que amava muito e colocava acima da razão de família, esta ainda residente em Curitiba.

Por essas e por outras, Paglia não podia admitir qualquer tipo de fracasso na missão de reconhecimento e identificação do provável agente inimigo, e convocara para uma reunião urgente três dos seus principais colaboradores no quartel.

Um deles era o capitão Ernesto Siboldi, que os leitores já conhecem, o outro era o Tenente Jorge Mascarenhas, um homem baixo, atarracado, cabelos castanhos claros, olhos verdes escuros. Alguns amigos diziam que um caminhão havia caído em cima dele, por isso ele tinha aquela aparência “amassada”. O terceiro se chamava Aníbal Gusmão, um negro forte, já com certa idade de serviços prestados ao exército e que aguardava a aposentadoria para muito breve na patente de Primeiro Sargento.

Após uma ladainha maçante, quando Paglia apelou para os sentimentos patrióticos dos seus comandados, Siboldi tentou se explicar...

– Não podemos fazer nada, Senhor – mas isto fora dito com certa angústia, cheio de dedos, porque Siboldi conhecia Paglia muito bem, e o fato do Coronel ser um homem simpático e carismático, só o tornava mais bravo numa hora de gravidade como esta. – Os índios são protegidos pela lei. Não podemos simplesmente invadir a reserva e obrigá-los a evitar os “gringos”. Não há como comprovar que eles estão sendo influenciados por estrangeiros a irem contra os interesses brasileiros, a não ser que nós pudéssemos gravar a movimentação deles na reserva. Mas como, se os índios não querem nos ver lá?... Pra todos os efeitos são turistas com seus passaportes em dia.

Paglia refletiu um minuto sobre o que acabava de ouvir e fez mais uma pergunta:

– Vocês já checaram esses passaportes pessoalmente?... – ninguém respondeu nada. – Hem, Tenente?

– O pessoal do IBAMA tentou pegá-los, Senhor – respondeu Mascarenhas com uma estranha voz rouca. – Nós temos contato com um dos funcionários deste órgão. Ele alega que os estrangeiros pertencem a certas ONGs; aparentemente todos têm permissão para trabalhar no nosso país.

– Aparentemente? Vocês só podem confiar em si mesmos!...

– Há brasileiros nessas ONGs também, Senhor. De fato, algumas delas estão presentes em todas as partes do mundo; outras atuam só na região da Amazônia...

– E o senhor não acha que isso seja suspeito?

 – Positivo, Senhor. Entretanto o IBAMA, a Polícia Federal também, não apuraram nada de irregular com essas ONGs. Os caras estão limpos, Coronel.

– Vocês têm certeza de que os gringos estão realmente aliciando os índios?

– Correm boatos em relação a isso em Boa Vista, Senhor – declarou Siboldi impassível. – Outros funcionários de órgãos públicos, como FUNAI, INCRA, confirmam isto oficiosamente. Foi o que pudemos apurar.

– Bom, nesse angu tem caroço, não tenho a menor dúvida – sentenciou Paglia. – Sabemos que as riquezas da nossa Amazônia são inumeráveis e despertam a cobiça do mundo todo, mas precisamos separar o que é concreto do que é lenda urbana. Não podemos esperar que outros órgãos do governo façam o trabalho por nós... E o senhor, Sargento Gusmão, o senhor não meteu a sua colher neste pirão – voltava a declarar Paglia com largo sorriso. 

– Bom, Coronel, não são os gringos que me preocupam... – disse Gusmão sério.

– Quem é então, Sargento?

– Quem me garante que os gringos não têm informação de toda a movimentação secreta que se faz em função deles?

– Espiões?

Gusmão confirmou com um gesto.

– Mas quem seriam esses espiões? – perguntou Paglia bastante encafifado.

– Poderia ser qualquer um de nós, Senhor – completou Gusmão enigmático.

– Por favor, Sargento. Eu gostaria de ouvir a sua teoria...

– Há um bocado de gente preocupada com os índios na Raposa Serra do Sol, Senhor...

– Continue, Gusmão.

– Eu... Aliás, Senhor, isso é uma coisa que nós temos conversado bastante... – Gusmão relacionou os companheiros com um gesto abrangente da mão – principalmente com sua orientação, Senhor... – completou o velho sargento cheio de retórica. – O perímetro da reserva que foi demarcado criou uma espécie de Estado dentro de outro... Do jeito que isso foi feito é um risco à segurança nacional, Senhor...

– É verdade, sargento – tornou Paglia profundamente sério. – Nossas reuniões têm discorrido exatamente sobre isso... A proximidade da reserva Raposa Serra do Sol com a Venezuela e com a República da Guiana tornam aquela área profundamente atrativa para os interesses estrangeiros...

– Interesses estratégicos, Comandante – imiscui-se Siboldi. – A região é rica em urânio, ouro, diamantes!

 – Já parlamentei sobre isto com o Comando da Amazônia, mas eles acharam minhas preocupações alarmistas, embora concordem em tese com ela...

– E nós temos outro problema, Senhor... – volveu Siboldi.

– Outro problema? – redargüiu Paglia com a pulga atrás da orelha.

– Um probleminha técnico...

– Não estou sabendo, Capitão...

– Corrientes, Senhor...

– O Tenente Corrientes?!

– Positivo, Senhor.

– Qual o “probleminha” com o Tenente Corrientes, Siboldi?

 – Eu o acho muito “independente” para a missão, Senhor.

– Eu já tive ocasião de testemunhar as opiniões pouco ortodoxas do Tenente Corrientes, Capitão. No entanto, não se preocupe. Não acredito que isto vá se tornar um problema para nosso trabalho. Espero que o senhor entenda isso, Siboldi.

Ele não respondeu imediatamente ao seu comandante, o que significava uma postura afirmativa.

Na relação pessoal entre Siboldi e Corrientes, entretanto, o capitão possuía sua própria maneira de agir...