Celha Regina bebia
café naquela barraca que servira a uma celebridade, o Comandante Salas,
algemado, tendo dois federais ao seu lado, para o caso de ele tentar alguma
gracinha, porém mantinha a pose, orgulhoso, pensando nos seus nazistas anti-heróis.
Do lado de fora
Paranhos procurava organizar aquela baderna, apagar algumas fogueiras que
resistiam mesmo depois de encerrada a batalha, empilhar alguns corpos para
conferência a posteriori, juntar todos os demais prisioneiros numa mesma
barraca, reunir todas as provas que pudesse obter contra os traficantes...
Enfim...
Enquanto isso, de
volta à barraca onde se tentava convencer Salas a falar, Felipe só queria água
mesmo...
Mouzon e Moffato também
continuavam por ali...
– Isto foi
encontrado entre os pertences deste cão – disse Mouzon, jogando uma carteira de
documentos no colo de Felipe.
Felipe segurou o
copo d’água com o braço machucado, ainda que o mesmo estivesse imobilizado. Com
a outra mão, a direita, pôs-se a analisar o documento sobre o qual seu amigo
federal lhe chamara a atenção.
– Ele tem contato
com a Miko, exportações & importações – disse Felipe meio atônito.
– Isto nos mostra quanto
o tráfico está ramificado na nossa sociedade.
– Mas essa Miko não
é a empresa do tal japonês, Tanaka Osumi?...
– Esse japonês é
profundamente ligado à sociedade amazônica, Felipe – respondeu Celha no lugar
de Mouzon.
– Como você sabe
disso, Celha?
– Ora, eu leio
jornais!
– A senhorita é
realmente muito bem informada, “Tenente” – volveu Mouzon sorridente, mas com
uma ironia sutil.
Era uma
característica marcante do delegado de São Paulo. Sorria quando a situação
denotava alguma tensão.
– Faz parte do meu
trabalho, delegado – devolveu ela, quase sem intervalo.
Celha encarou-o com
um misto de preocupação e admiração. Então era este o tal que Felipe falara com
um entusiasmo que cheirava a devoção?
– Não é esta aquela
sua “parceira” que você queria me apresentar, Felipe? – Provocou Mouzon.
– Ah, sim... – retrucou
Felipe meio bobalhão. – Celha, este é o delegado Mouzon da polícia federal...
– Muito prazer,
delegado – volveu Celha muito sarcástica também.
Mouzon se
perguntava porque a amiga de Felipe usava aquele tom com ele...
– O senhor está
investigando a ligação das mortes dos nossos colegas do 7º PEF com o tráfico de
drogas, não é? – voltava a perguntar Celha, desta vez com naturalidade. – Já
chegou a algum suspeito?
– Existem vários,
senhorita – retrucou Mouzon sério, comedido, o que fez com que os olhos dela
brilhassem de excitação, afinal, aquela atmosfera de suspense total acendia as
imaginações mesmo dos menos privilegiados. – Quem sabe nós não devíamos conversar
sobre isto?
– Quando o senhor
quiser, delegado – devolveu ela com cordialidade, mas acrescentou, espetando: –
Isto é, quando eu estiver disponível...
Moffato acompanhou
aquele diálogo com uma curiosidade algo disfarçada, mas ele sabia que o
delegado da polícia federal estava no caminho certo em termos da apuração do
caso, embora Moffato soubesse também que o mesmo se mostrasse bastante
espinhoso.
– Amadeo Castro –
disse Felipe, lendo o nome do traficante no mesmo documento que Mouzon lhe
dera. – Evidentemente este nome é falso...
– Provavelmente tudo
que envolve o “Comandante Salas” deva ser falso – continuou Mouzon.
– Então... –
insistiu Felipe se dirigindo ao traficante aprisionado. – Qual é o seu nome verdadeiro?
Salas, ou Castro,
olhava através de seu interlocutor.
– Ele não vai falar
– disse Moffato irônico. – Só em juízo. Esses caras tem proteção de tudo quanto
é lado.
– Tem razão –
concordou Celha bebericando mais café esfumaçante. – Ele já deve ter um
advogado prontinho pra defendê-lo aqui no Brasil.
Salas dignou-se a
fitar aquela arguta mulher belíssima, mas o seu sentimento em relação a ela
parecia ser verdadeiro.
– Sim – tornou
Mouzon satisfeito – Ele terá um advogado. Como manda o figurino. Mas, antes disso,
nós vamos interrogá-lo em Boa Vista... – Mouzon permaneceu sério, trocando uma
expressão indecifrável com seu colega da ABIN, ao passo que Salas/Castro
brindou o delegado com um olhar preocupado. – Tem muita coisa que este senhor Castro,
ou Salas, não importa, tem a nos esclarecer...
(SÁBADO CONTINUA. AGORA SERÃO DUAS POSTAGENS POR SEMANA. NÃO PERCAM!)