quarta-feira, 28 de março de 2012

O SENHOR DAS ÁGUAS - UNIDADE VIII - CAPÍTULO 4


Celha Regina e Felipe, realmente baleado no braço esquerdo, mas sem nenhuma gravidade, sendo medicado ali mesmo no acampamento, ficaram pouco tempo em poder dos traficantes...

Quando o Comandante Salas se preparava para interrogar os prisioneiros, recebeu a notícia pelo walkie-talkie: os agentes federais brasileiros infestavam o entorno do acampamento clandestino, e nem precisava deste aviso, visto que o tiroteio logo se espalhou por todo lado.

Muitos mortos entre os traficantes. Poucas baixas entre os federais. Sua ação fora fulminante, bem planejada, quase perfeita.

Entretanto o Comandante Salas não conseguiu escapar...

Encontrava-se ileso, nas mãos de Mouzon, Moffato e Paranhos, que se encontravam entre o grupamento que acabara com o que restava do acampamento clandestino.

quinta-feira, 22 de março de 2012

O SENHOR DAS ÁGUAS - UNIDADE VIII - CAPÍTULO 3


– O que você espera conseguir com isto, Celha? – perguntou, algo irado, Felipe Corrientes, como se estivesse discutindo uma diferença conjugal.

Celha pensou em dar-lhe uma resposta à altura, mas respirou dez vezes antes de atirar a primeira pedra, porque o seu projeto estava inteiramente ameaçado, e ela não podia desperdiçar esta oportunidade.

Inúmeros problemas surgiram nesta conflagração da Raposa Serra do Sol.

Estavam no dormitório dos oficiais – ainda não soara quatro badaladas no relógio da madrugada – cercados por tudo o que havia de melhor em termos de equipamento militar para o tipo de trabalho que iriam desempenhar...

Isolados de todo o restante do pelotão, como se os companheiros, Paglia incluso, já os computassem como baixas de serviço...

O melhor dos melhores...

Quem poderia se considerar como tal?

Estranha ocasião esta...

Num mundo onde as pessoas vivem buscando respostas para seus principais problemas, e mesmo quando as encontram, continuam a esmurrar a ponta de uma faca pontuda que sangra em catadupas...

A fragilidade de uma nação...

Estas frases cabiam perfeitamente na boca de Felipe...

No entanto ele continuava a fitar Celha, com olhos severos, como que aguardando uma resposta...

E ela veio de forma enigmática.

– A resposta que você quer não pode ser dada agora, Fê... Vamos esquecer todos os questionamentos dos últimos meses, mesmo que eles pudessem ser levados às últimas consequências, mudar nossas vidas para sempre. Eu acho um pouco tarde demais...

– Tarde demais pra quê?

– Olha a sua volta, Fê! Está vendo todo este equipamento de última geração? Nós vamos estourar um acampamento de traficantes de drogas! Vamos nos tornar heróis!

– Ou defuntos.

– Você acha mesmo?

– Esses caras não têm nada a perder... Quer dizer, talvez tenham um prejuízo filho da puta se nós os pegarmos, e por isso vão defender o seu ganha-pão até o último “soldado”...

– Eu continuo achando que eles não vão ter muita chance...

– Seu otimismo é contagiante, sabia? – retrucou Felipe mordaz.

– Eu falo sério... Muito sério mesmo!

– Vamos aprontar essa merda de uma vez, vai – volveu Felipe meio acabrunhado. – Eu desisto! Até mesmo porque, como você bem disse, já estamos na chuva...

– Vai por mim, Felipe. Não vamos nos molhar.

Felipe nem deu mais atenção ao excesso de confiança da parceira. Ele sabia que este era o tipo de coisa que levava muitas vezes as pessoas à catástrofe, mas preferiu apostar na euforia de Celha Regina... Era mais... salutar.

Desempilharam equipamento atrás de equipamento. Armaram-se e vestiram-se com todos os apetrechos disponíveis: roupas camufladas, fuzis, pistolas, pentes de balas para ambas as armas em grande quantidade, granadas, binóculos infravermelhos, GPS, walkie-talkies, e até um aparelho revolucionário...

Um helicóptero os levou a um determinado ponto, próximo do acampamento dos marginais...

Foram penetrando pela mata como onças sorrateiras, dispostas a abater uma grande presa...

A selva em torno do acampamento era uma escuridão infinita, só se ouvia os ruídos da vida fervilhante, mas no acampamento, ao contrário do que se poderia pensar, as coisas aconteciam...

Não se tratava de um grupo organizado militarmente, mas com toda a certeza a disciplina era férrea...

Passava das cinco da manhã quando Felipe e Celha Regina chegaram ao acampamento dos traficantes...

Localizaram seus alvos...

Aproximaram-se bem devagar...

O café da manhã era servido...

Um grupinho conversava e comia perto de uma fogueira a frente de um conjunto de barracas de camping de porte médio...

Havia luz em outras duas barracas grandes, e movimento de saída e entrada de homens...

Pareciam já estar trabalhando...

Havia também mulheres no meio do grupo...

Armadas, inclusive.

Duas jovens morenas serviam este grupo, que conversava bastante animado em frente à fogueira, com alguns quitutes indistinguíveis...

O café derramava-se nas canecas reluzentes...

Todo este movimento era acompanhado pelas lentes dos binóculos infravermelhos de Celha e Felipe.

– O que você acha? – perguntou Felipe, com um grau de tensão que poderíamos identificar como alerta vermelho.

– Tem muita gente lá, Fê... Parece mais um acampamento de jovens universitários do que traficantes de drogas...

– Como vamos pegar os cabeças desse negócio? – volveu ele quase em desespero, largando o binóculo e dirigindo-se a Celha.

– Na minha opinião o nosso alvo deve se concentrar naquelas barracas grandes ali, ó... Dá só uma olhada...

– Tô vendo... Que que tem?

– Ali deve estar o ouro, Fê...

– Mas pra nós chegarmos até lá vamos ter que passar por um exército primeiro...

– Ora! Exércitos é nossa especialidade!

– Fala sério!

– Eles estão distraídos tomando o seu desjejum...

– Eu não tenho dúvida que a qualquer sinal de nossa presença eles vão se transformar em máquinas assassinas.

– OK. Vamos traçar um plano estratégico...

– Fique à vontade para sonhar, meu bem...

– Eu não sabia que você era meio gaiato...

– Só quando a minha vida está por um fio... Afinal sou um filósofo à moda antiga...

– Então vamos começar, meu Sócrates tupiniquim. Bala na agulha. Checar equipamento...

– Tudo em cima... Parece.

– Pra mim também...

– Quando você quiser...

– OK. Um de nós contorna o acampamento, se posiciona e começa a explodir os pilantras pra dispersar, o outro entra atirando, visando as barracas grandes, onde provavelmente acontece a produção de drogas e/ou contabilidade e comunicação. O que seguir por este caminho não pode errar...

– É o caminho dos campeões, Celha...

– Eu sei, Fê... Eu vou neste...

– Não!... Você não pode...

– Porque não?

– É a parte mais difícil...

– E você quer me proteger? Sai fora, Fê! Você ainda acredita neste tipo de coisa?!

– Agora não importa mais no que eu acredito ou deixo de acreditar...

– Eu vou esperar você plantar os ovinhos. Não vai acontecer nada comigo. Nossa missão será um sucesso, cara!

– O que você tem? Bola de cristal?

– Não, apenas uma fé inabalável em nós dois...

– Huuuuum!

– O que o futuro nos reserva, Fê... Ah, deixa pra lá!

– Eu acho bom, viu? Agora nós temos que ser apenas soldados... Não é assim que devemos pensar, “camarada”?

– Vai, lindão! Eu vou dar uma de Clint Eastwood hoje...

– Esta parte do filme, geralmente, é o mais fodão que faz...

– Então... Eu vou te mostrar quem é foda aqui...

– Mas...

– Vai, Fé, ou eu começo a atirar daqui mesmo...

Felipe não discutiu mais com sua...

O quê?...

Amiga?

Como ele mesmo disse, isto não importava agora.

Eles ligaram o revolucionário aparelho de deflexão de imagem, uma “caixinha” do tamanho de um rádio de pilha, afixada ao cinto de utilidades no uniforme militar.

Subitamente, os dois deixaram de existir...

Entretanto, os dois corpos não deixaram de ocupar o seu espaço no terreno, mas suas silhuetas, sim, desapareceram das vistas de todas as possíveis testemunhas. Entretanto, caso esbarrassem em alguém, o contato seria normal, embora continuassem “invisíveis”.

Esta tecnologia vinha sendo experimentada secretamente nos laboratórios da indústria brasileira de armamentos, e ninguém, em qualquer parte do mundo, tinha conhecimento disto.

Felipe contornou o acampamento calmamente...

Celha esperou...

Cada um dispunha de sete granadas em seu equipamento pessoal. Felipe lançou mão logo de duas...

Que explodiram aleatoriamente...

Alarme no acampamento...

Todo mundo gritava, corria, e alguns atiravam a esmo...

Esta era a parte perigosa da missão, porque, mesmo invisíveis, uma bala perdida poderia atingi-los...

Mais duas explosões...

Que atingiram em cheio algumas barracas dos traficantes...

Dois corpos foram arremessados à distância. Duas primeiras baixas no seio dos traficantes.

O acampamento estava em polvorosa. Alguns “soldados” do tráfico, em pânico, continuavam a atirar num inimigo invisível...

Outra explosão...

Mais baixas...

Inúmeras...

Muita confusão...

Celha Regina agiu...

Entrou correndo numa das grandes barracas que escolheu na sorte...

Ninguém a podia ver, porém, infelicidade, quando ia entrar na barraca grande e iluminada, uma pessoa ia saindo da mesma...

Encontrão, terror, mais confusão, porém ainda assim Celha percebeu que ali os traficantes preparavam a pasta primordial de coca, exatamente como eles supunham.

O tiroteio desesperado dos traficantes continuava...

Eles não viam ninguém...

Celha esperou no fundo do seu coração que as balas também não pudessem ver Felipe na escuridão, agora iluminada por fogueiras extras, algumas barracas pegando fogo por causa das explosões.

Mais uma explosão monumental...

O paiol de produtos químicos dos traficantes...

“Boa, Fê!”

Ela olhou na segunda grande barraca. Acontecia o mesmo que na primeira...

E agora?

Mais uma explosão...

A última da munição de Felipe...

O caos no acampamento era total...

Dois traficantes morreram fuzilados pelos próprios companheiros, em pânico devido aos “espíritos” que atacavam o acampamento.

Enquanto isso, uma vez terminado o arsenal de granadas, Felipe se pôs a procurar a mesma coisa que sua parceira. Não se comunicavam, pois eles poderiam ser interceptados pelos traficantes, e a surpresa, e o pânico do desconhecido, acabariam.

Celha ligou seu walkie-talkie, mas sua intenção não era falar com Felipe, e sim rastrear possíveis tentativas de comunicação dos traficantes, para isto dispunha de vários canais com este intuito.

Ela conseguiu...

Eles, de fato, tentavam se comunicar com alguma espécie de posto de vigilância ou apoio que deveria existir ali por perto. O espanhol era uma das línguas que Celha falava com desenvoltura, mas aquele sotaque ela não conseguia entender a contento.

Procurou localizar o posto de rádio dos traficantes no acampamento clandestino...

Não demorou a encontrar...

Uma granada pôs fim às comunicações dos traficantes...

Agora a coisa iria se complicar, visto que os traficantes não sossegariam enquanto não encontrassem os “fantasmas” que os atacavam no seu valhacoutinho...

A busca continuava...

A corrida contra o relógio também...

Acontece que Celha sabia como achar o chefe daquele campo...

Embora ele não estivesse na sua excelente barraca naquele preciso momento...

Foi Felipe quem topou com ele primeiro...

Celha ligou seu walkie-talkie...

O chefão dos traficantes atendia pelo nome de Comandante Salas, e este também possuía um walkie-talkie militar como o de Celha...

Felipe fazia o mesmo, tentando rastrear mensagens entre os próprios traficantes...

Todo mundo, naquele campo, procurava por Celha e Felipe, embora não soubessem exatamente o que buscar, mas ninguém poderia achá-los...

A não ser que alguma coisa saísse errada com seu equipamento de última geração...

E foi o que infelizmente aconteceu...

Alguma interferência de ordem física entrou na freqüência onde funcionava o aparelho de deflexão de imagem, fazendo com que o mesmo deixasse de funcionar...

O pior é que Felipe e Celha não perceberam a falha, o que quase foi fatal para ambos...

Porém Felipe teve mais azar que a companheira...

Ele estava a poucos metros do Comandante Salas quando foi localizado...

Os homens que acompanhavam o Comandante atiraram sem pestanejar...

E erraram o alvo por muito pouco...

Talvez o medo os tivesse prejudicado...

Ainda bem que eram ruins...

Felipe não demorou a perceber a falha no aparelho, e correu...

Ele dispunha de toda a munição que trazia, pois ainda não fizera um disparo sequer...

Celha, em outro ponto do acampamento, com o walkie-talkie funcionando, ouviu a fala dos traficantes que perseguiam a Felipe...

Desta feita ela os compreendeu bem demais...

Felipe e Celha agora estavam indefesos diante da fúria e do maior número dos bandidos. Teriam de implementar um plano de retirada, pois a missão havia fracassado...

Antes de iniciar o caminho que a levaria na direção do amigo em perigo, entretanto, Celha acionou um canal particular em seu aparelho de comunicação, e falou com a Polícia Federal em Boa Vista...

Os dois oficiais em missão clandestina só teriam de sobreviver o tempo necessário para que os federais chegassem até aqui...

Teoricamente parecia muito fácil...

Começara a brincadeira de gato e rato...

O Comandante Salas era um homem duro. Não tinha a aparência típica dos indígenas de origem andina, mas apresentava uma tez morena de origem espanhola, queimado de sol, altura média, cerca de 1,80m, cabelos quase negros, bigodes fartos, expressão sombria, gelada, um homem talhado para este serviço, que não poupava nada para atingir seus objetivos ou para se proteger, tampouco hesitava em sacrificar os seres humanos que tivessem o azar de estar sob seu comando, na selva ou em qualquer lugar.

E era num momento como este, no ápice de uma situação limite, cujas vidas de dezenas de bandidos, bem como um trabalho lucrativo de semanas ou meses sem conta pendiam numa balança, que o Comandante Salas se sentia no seu elemento, mostrando todo o seu treinamento pragmático.

Na verdade Salas ansiava por ocasiões como esta. Seus olhos brilhavam de felicidade.

A possibilidade de enfrentar um batalhão do exército, ou centenas de policiais federais e vencê-los, revivendo as históricas batalhas da segunda guerra mundial, quando os generais nazistas, seus heróis de cabeceira, combatiam os inimigos aliados, deixando a Europa de joelhos...

Ah! Salas tinha orgasmos de prazer ao comparar-se com aqueles generais idos...

E imaginar a Europa em chamas, transpondo tudo isso para a selva Amazônica!

Rommel...

Von Bock...

Von Rundstedt...

Guderian...

E tantos outros!

Vencedores dos orgulhosos franceses e ingleses…

– Vocês agora já viram que nós não estamos enfrentando fantasmas, seus imbecis degenerados! – berrava Salas a plenos pulmões para seus comandados. Se Salas falasse alemão, na certa teria usado esta língua para expressar-se. – Eu quero esses papagaios brasileiros aqui na minha mão... Entenderam?

Ninguém se atrevia a contraditá-lo nessas horas.

– Mexam estas bundas sulamericanas, seus imprestáveis! – continuava a gritar Salas. – Vamos mostrar a esses soldadinhos de merda que eles estão lidando com a elite do tráfico!... Vamos! Vamos!

Os “soldados” se dispersaram.

Salas pegou seu walkie-talkie e falou:

– Não se esqueçam! Não quero mortes desnecessárias... Entenderam, seus bostas?

– Bonito discurso... Salas...

O chefe dos traficantes olhou atônito aquela aparição, que não era sobrenatural, mas causou-lhe um mal-estar semelhante.

Celha Regina, que saíra sorrateiramente do meio da vegetação, apontava-lhe o fuzil diretamente para seu peito...

Se ela disparasse daquela distância, muito provavelmente lhe partiria em dois.

– Quem é usted? – perguntou o Comandante Salas ainda descolorado, num portunhol sem-vergonha.

– Eu faço as perguntas agora, seu crápula! – volveu Celha ferina. – As suas comunicações já eram... Eu mesma dei cabo delas... Vocês estão isolados.

– Cuantos vocês som? – perguntou o traficante, com uma frieza que demonstrava alguma demência.

– Dentro em breve estas matas estarão cheias de federais...

– O que significa que ustedes estom em menor número, muchacha.  

 – Não haverá tempo pra nós medirmos força, “Comandante”...

O walkie-talkie de Salas deu sinal de vida...

– Atenda – ordenou Celha com o fuzil apontado para ele.

Celha Regina pôde compreender muito bem o que foi dito por um dos comandados de Salas:

“Comandante. Nós cercamos o hijo de puta. Ele está ferido”...

Celha deixou seu fuzil cair, pálida...

Salas sacou sua pistola imediatamente, sem piscar um olho.

– Quantos ustedes son? – perguntou Salas entredentes. Agora ele apontava sua arma para uma mulher combalida, desarmada moralmente.

– Apenas dois – respondeu ela, em espanhol, com incrível tranqüilidade. – Mas não creio que você consiga muita coisa da gente...

– Eu não seria tão otimista na sua posição, senhorita... – volveu salas todo sorriso.

Todavia, o que se seguiu a este pequeno entrevero estava dentro dos planos...

quinta-feira, 15 de março de 2012

O SENHOR DAS ÁGUAS - UNIDADE VIII - CAPÍTULO 2


       O período compreendido entre a primeira chamada e o comparecimento sem delongas podia ser qualificado de nanico, ou seja, segundo alguns especialistas em tempo padrão, num estudo de física especulativa, um nanossegundo seria pouco para mensurar o apogeu da durabilidade para a assim chamada assiduidade dos oficiais com alto grau de profissionalismo.

       Tudo isto, Celha Regina e Felipe Corrientes ignoraram, logicamente, desde o primeiro milésimo de segundo que tomaram consciência integral das pessoas que estavam naquela unidade militar...

Ponto.

As apresentações também, não levaram mais do que alguns segundos, catalogados como fisicamente normais.

       Celha Regina olhou cada um daqueles homens nos olhos, conquanto não exprimisse exatamente seus verdadeiros sentimentos em relação à surpresa daquela convocação extraordinária, porquanto ela em hipótese alguma poderia denunciar seu disfarce, uma vez que aqueles oficiais eram mestres no controle de situações fora de escala...

Esquadro.

       No entanto, Celha Regina, para variar, reagira com a rapidez esperada numa “expert”, calculando os mínimos detalhes. Seu cérebro já trabalhava para solucionar a situação que viria logo a seguir, cuja qual poderia até mesmo imaginar, porém jamais configurá-la totalmente como se materializaria depois, embora, no final das contas, tudo viesse a calhar.

       Já a posição de Felipe igualmente poderia ser prevista, uma vez que ele também se distinguia como um oficial de elite muito bem treinado para improvisos, o que não era exatamente o “status” da missão que se desenrolaria dali em diante, mas ele sempre se apresentava tranqüilo em presença de quaisquer graduados, porquanto sua base filosófica estava bem assentada no universo metafísico.

       O Tenente-Coronel Ceddric, depois de analisar o perfil de cada um dos jovens, tirou suas conclusões acerca dos tipos de seres humanos que tinha diante de si, assim como a competência técnica de cada um, o valor militar necessário, uma vez que fora devidamente orientado por Barreiros, claro está, haja vista que ambos, Barreiros e Ceddric, analisaram os currículos dos dois tenentes antes que a viagem começasse...

       – Não é uma missão muito simples, homens... – disse o sujeito com pinta de mosqueteiro gascão com uma envergadura de comandante de West Point.

       Celha e Felipe continuaram a olhar seu superior muito compenetrados na palestra, sem observar que Armando Paglia roia as unhas, e o Major Pessanha, Brucutu entre os íntimos, mas muito perspicaz, observava o nervosismo do Coronel, o que, para felicidade dele, não fora diagnosticado como devia.

       Barreiros também...

       Não percebera nada...

       Parecia hipnotizado com a fala segura e resoluta do oficial do Estado-Maior...

       Que dizia exatamente o que se segue...

       – A alguns quilômetros daqui, entre os limites de fronteira que temos com a Venezuela... – balbuciou Ceddric monotonamente. – nosso setor de inteligência localizou, via satélite, um aeródromo clandestino... Estamos convencidos que ele pertence aos traficantes de drogas, e ainda pelas imagens de satélite, tudo leva a crer que existem instalações primárias para o refino da droga... – Fez uma pausa breve; muito breve; breve mesmo. Ninguém comentou nada, então Ceddric continuou: – A missão de vocês dois – disse Ricardo Guimarães Ceddric, olhando fixamente os dois jovens nos olhos, que, necessariamente, não o estavam encarando nesta mesma ordem. Ceddric continuou: – Portanto, sua missão consiste em entrar neste acampamento e destruir tudo... – parou novamente. Celha Regina e Felipe simplesmente o olhavam mudos, pensativos, mas sem comentários. – Não está descartada a possibilidade de ocorrer alguns óbitos, mas vocês tem de capturar pelos menos alguns dos cabeças do tráfico... – e parou mais uma vez, torturantemente fragmentário, repulsivo até, chegou a pensar Celha, então reencetou: – Devo mencionar também que, este sítio, na verdade, está localizado em território venezuelano, ou, pior ainda, numa terra de ninguém entre os dois países, o que torna a missão de vocês muito mais perigosa, porquanto clandestina, mas que deve ser feita a qualquer preço, haja vista que as autoridades venezuelanas parecem estar fazendo vistas grossas aos nossos “convidados”, e eles estão agindo dentro do nosso território impunemente, quer dizer, a droga que eles transportam e refinam vem toda para o comércio no Brasil... – Celha cogitou que tipo de missão suicida era esta para a qual os estavam empurrando, mas chegou à conclusão que ela se adequava perfeitamente aos seus planos estratégicos. – Não preciso lembrar-lhes, portanto – continuou Ceddric na sua ladainha – que vocês estão absolutamente sozinhos nessa... – este foi um toque de malícia regada à gíria cuja qual Felipe não apreciou. Segundo o jovem do Rio de Janeiro, havia ali algo não muito bem esclarecido, o que era alarmante, claro... – Não esperem ajuda de qualquer espécie de nenhum setor militar ou qualquer outro – acrescentou o homem do Estado-Maior. – Se vocês forem pegos... ou feridos... ou mortos, ninguém poderá ajudar... nem reclamar ou requerer seus corpos... – Celha e Felipe não agüentavam mais essas pausas carregadas de suspense. Estavam como que enfarados desse joguinho de terror da Suprema Inteligência. – Este trabalho será totalmente voluntário. Nós sabemos que vocês dois estão entre os melhores dos melhores para o serviço... Então? Aceitam VOLUNTARIAMENTE participar desta missão patriótica?

       O semblante de Felipe se iluminou, a princípio...

Com dois olhinhos que pareciam semáforos de raios lasers, seu peito se encheu de um orgulho algo lisonjeiro, por mais que ele fabricasse castelos de cartas acerca de uma sociedade imperfeita, insana, saturada de desejos irrealizáveis, e todos os equívocos da cristandade malsã. Felipe se sentiu útil, vital, insubstituível...

Mas foi uma ilusão passageira...

Que logo o fez cair na real.

– Permita-me uma pergunta, Senhor? – falou Felipe.

       Celha Regina entrou em pânico.

       Ceddric, Barreiros e Pessanha se entreolharam no que parecia estar totalmente fora de roteiro...

       Porém Ceddric concedeu-lhe um último desejo.

       – Qual a verdadeira natureza desta missão? – perguntou Felipe, desconcertante, abalando o eixo das esferas particulares.

       – “Qual a verdadeira natureza desta missão”, Tenente?! – de fato, ninguém havia entendido a natureza da pergunta, e Ceddric muito menos.

       – Eu pensei que você tivesse compreendido, soldado – redargüiu Barreiros um tantinho confuso – pois a explanação do Tenente-Coronel foi claríssima...

       – Foi, Senhor – volveu Felipe, com aquele ar de filósofo obscuro. – Mas eu quero dizer... Qual a verdadeira motivação que se esconde por detrás desta missão, Senhor... Quer dizer, existe uma razão realmente palpável para que nós dois sejamos enviados para o meio do nada, dispostos a morrer como heróis anônimos?... Nem isso talvez! A troco de quê?!

       – Este rapaz enlouqueceu! – esbravejou o silencioso e contido Pessanha.

       Armando Paglia, por seu lado, pensou em desfalecer, como que um doente terminal, ou uma bicha histérica, mas intuiu que aquilo, além de não pegar muito bem para um comandante de batalhão, não ia lhe adiantar muita coisa. Felipe parecia ter enlouquecido mesmo, embora Paglia já estivesse habituado, de certa forma, às esquisitices do seu subordinado.

       – O que é isso, Fê? – sussurrou Celha, emocionalmente chantagista. – Nós somos oficiais do Exército brasileiro... – E voltando-se para seus superiores, dando um ar de fanatismo a sua fala a seguir, interpretando, talvez, o melhor papel da sua vida: – Nós compreendemos perfeitamente a natureza desta missão, Senhor!

       Felipe olhou para ela com um ar de irritação, mas que foi logo contornado com outro golpe igualmente mortal de Celha, que pôs fim a qualquer reação retórica que por acaso Felipe pudesse contrapor.

       – Nós entendemos, inclusive, Senhor, que as vidas de centenas de milhares de jovens brasileiros podem depender desta simples missão de localização e destruição dos inimigos do Brasil...

Isto fez com que Felipe se calasse em definitivo, contanto aquela sensação de vazio existencial permanecesse na mente do jovem.

       Armando Paglia voltou a manifestar um pensamento pessimista, de fracasso mesmo: o que fazer quando todos os seus planos vão por água abaixo e você já se vê aposentado, pescando com a família numa casa de praia no litoral do Paraná, embora Paglia detestasse pescar, até que o sol queime a última das minhocas pesqueiras que você guarda no samburá?

       Esta sensação desagradável tomava conta de todo o ser de Armando Paglia, e que ele não podia expressar, como que engolindo um remédio amargo, sobpena de ver todos os seus sonhos naufragarem nesta praia quimérica...

       Enfim...

       Entretanto, tudo se encaminhou para o desenlace fatídico...

       Contudo, ainda havia uma dúvida, e Celha, como boa maquiavélica, não poderia deixar por menos:

       – Nosso setor de inteligência nos assegura, então, que este campo de pouso clandestino pertence mesmo aos traficantes internacionais de drogas?

       Ninguém entendeu aonde Celha queria chegar, e Ceddric replicou:

       – O que, exatamente, Tenente Nascimento, a senhorita quer dizer?

       Um desabafo automático, num sopro de indignação algo contida, Ceddric virou-se para Paglia e disse:

       – Você tem certeza que esses dois são nossos melhores homens?

       Armando Paglia afundou na cadeira, porém Celha não o deixou se afogar:

       – Perdoe-me o questionamento meio intangível, Senhor, mas minha dúvida tem uma razão de ser. Se nós cometemos uma falha na avaliação da importância do sítio em questão, e a opinião pública venezuelana, ou a imprensa, descobrir que dois estrangeiros invadiram seu território, agora, que a compulsão Chavista na Venezuela é a pior possível, mesmo que para desbaratar traficantes hostis ao mundo todo, o tiro pode sair pela culatra, Senhor. Isto aconteceu na Colômbia e no Equador.

       – Não há nada de intangível em sua avaliação, Tenente. Aliás, ela vem muito a propósito – sentenciou Ceddric. – Acontece que nós não podemos cancelar, ou mesmo postergar, esta missão... As ordens nos foram dadas pelo próprio Ministro da Defesa. Não há como questioná-las, ainda que eu concorde com a senhorita ipsis litteris. Se qualquer coisa sair errada, estamos todos, com o perdão da palavra, FODIDOS!

       – Não há mesmo como contarmos com o apoio da Polícia Federal? – perguntou Felipe, esquecendo-se momentaneamente de suas idiossincrasias revolucionárias.

       – Impossível! – disse, enfático, o General Barreiros. – Como o Tenente-Coronel disse, esta é uma missão extraoficial; sem o aval do governo, ou das Forças Armadas. Estamos atuando em território venezuelano, no meio de uma fronteira mal definida. Não há outra possibilidade, soldados.

E assim estava encerrado um capítulo da história...

Mas ainda havia tempo para subterfúgios...

quarta-feira, 7 de março de 2012

O SENHOR DAS ÁGUAS - UNIDADE VIII - CAPÍTULO 1


       Mais um dia de nuvens carregadas, acima de qualquer suspeita, na varanda, lavada pela chuva torrencial do dia anterior, embora as folhas de inúmeras espécies ainda atapetassem boa parte do piso, testemunhando a queda, o descontrole normal da natureza indomável, esquadrinhando o que, dois dias antes, fora absolutamente ensolarado, sem uma nuvem sequer, o que levava muita gente a fleuma preguiçosa da contemplação...

Porém, muitos desses poetas fictícios não puderam escrever uma linha sequer, porque, dois dias antes, preocupados, neste mesmo dia sufocantemente ensolarado que brilhou nos confins desta Roraima sem lei, como tudo no Brasil, sáfaro, inconcluso, aquele dia elegantemente azul descortinava muita chuva no porvir...

       O que podia ser discutido...

       Evidentemente...

       Dependendo do foco que se quer dar...

       E, principalmente, dependendo da lente que capta o momento adequado, no quadrante certo...

       O fato é que havia muito a ser feito antes da chuva...

       Mas o que era isso tudo?

       Um telefonema no dia da chuva, com a barulheira da água caindo através das calhas antigas, deixara Armando Paglia de sobreaviso...

       O General Leopoldo Barreiros, Comandante-em-Chefe da Amazônia, chegaria hoje para cumprir uma série de compromissos burocráticos...

       O quartel do 7º Pelotão Especial de Fronteira precisava se preparar para a ilustre visita.

       Mas não havia muito que mudar...

       Tudo estava como dantes no quartel do Paglia.

       A comitiva chegou de helicóptero...

       Aliás, dois helicópteros...

       Ajudantes de ordens, secretários, oficiais de ligação, um ou dois engravatados...

       Dizia-se que não se queria fazer muito alarde da presença dos militares em Uiramutã...

       Enfim...

       Dois helicópteros bastavam. Havia pouca gente.

       O General seguiu diretamente para a sala particular do Coronel Paglia, juntamente com seu ajudante de ordens, o Major Alécio Pessanha, e um oficial ligado diretamente ao Estado-Maior do Exército em Manaus, o Tenente-Coronel Ricardo Guimarães Ceddric.

       Os três importantes oficiais ficaram impressionadíssimos com a decoração daquela saleta rústica, a moda de cabana amazônica, apesar de alguns quadrinhos típicos, com soldados e turmas de oficiais, mais familiares, porquanto tudo ali naquele ambiente lembrava a nossa querida Amazônia amada quase escorrendo pelos nossos dedos, amém.

       E não havia nada de mais...

       Uma decoração realmente singela.

       Esta foi a primeira frase proferida pela boca de Paglia, ao experenciar o deslumbre da simplicidade simpática das expressões daqueles homens importantes diante da salinha...

       Mas fora dado um toque de Paglia na confecção de cuja sala...

       Um dos orgulhos dele, embora Armando, como bom cristão, convicto, amando sua família antes de qualquer coisa, e Deus acima de todas as outras, depois vindo o Exército do Brasil, aí sim, em terceiro lugar, finalmente, vindo sua esposa e filhos, e netos, que só possuía um até agora, ele compreendesse que este não fosse o tipo de sentimento que o bom cristão deveria experimentar...

       Bom.

       – Que salinha simpática esta sua, Coronel – avaliou Barreiros, o que já sabíamos, mas alegrou Armando sobremaneira, aliás, deixando a todos como que “em casa”.

       – Obrigado, Senhor – disse Paglia, sorrindo de lóbulo a lóbulo; duas orelhas que não eram, assim, tão pequenas que alguém deixasse de perceber, apesar das sardas daquele homem quase pálido.

       – Mas é verdade, Paglia – concordou Ricardo Guimarães Ceddric muito naturalmente. – Muito jeitosinha mesmo! – completou, entusiasmado, o que fez com que Alécio Pessanha supusesse um exagero, o que não nos interessa conferir neste instante.

       – Mas então, General... – volveu Paglia, muito cordialmente. – A que devo esta honra inusitada...

       – Caríssimo Paglia...

       – Permita-me cortá-lo, Senhor, para acrescentar que o Senhor sempre foi um modelo para mim...

       – Mas o que é isso, Coronel – retrucou Barreiros, corado como um tomate fresco.

       – É a pura verdade, Senhor!

       – Muito obrigado, Paglia. De coração... Infelizmente as coisas não andam tão boas para nós em Brasília, Coronel...

       – É mesmo, Senhor? – toda a cordialidade extemporânea cedeu vez à preocupação repentina, íntima, de quem carrega carrapatos na corrente sanguínea.

       – É...

       – Deixe-me ver se eu adivinho, General... O mal estar, por um acaso, está ligado aos últimos acontecimentos na Raposa Serra do Sol? – Quase se poderia dizer que o general Leopoldo Barreiros tentara sorrir, embora a verdadeira máscara denunciasse limão azedo. – Acertei, certo?

       – Pois é, Coronel... – disse Barreiros. – Na mosca.

       – Vejo que a situação é mesmo séria... – continuou Paglia. – E não poderia ser diferente...

       – Guimarães... – volveu Barreiros, cortante. – Explique ao Coronel Paglia o que exatamente o Comando-Maior quer que façamos...

       O Tenente-Coronel Ricardo Guimarães Ceddric, um homem quase esbelto, moreno, alto, um ar de mosqueteiro gascão, se não fosse um pequeno defeito na perna esquerda, que o fazia manquitolar ligeiramente, ainda que ele tentasse disfarçar, tarefa impossível para um observador atento. Tal seqüela, ele adquirira num treinamento de paraquedismo, o que lhe cortara a brilhante carreira pela metade.

O Tenente-Coronel acendera um daqueles cigarros que só os caboclos amazônicos apreciam, ficando por alguns segundos atrás de um cinzeiro, mudo, quase em pânico, cinza despencando, até que Paglia arrumou algo para ele que não se parecia bem com um objeto desejado, mas serviu: um copo de geléia de mocotó antiga da Imbasa, que não existe mais, como a dignidade pública.

       – Bem, Coronel Paglia – encetou Ceddric. – Conforme é do conhecimento de todos, a chacina que ocorreu aqui ficou marcada no mundo todo como mais uma demonstração de que o poder público brasileiro não sabe lidar com a questão dos índios, e, pior, que a questão ecológica no Brasil é uma tragédia monumental...

       – Esses gringos são engraçados! – chiou Paglia, patrioticamente. – Até parece que eles nunca cometeram essas loucuras em outros tempos!

       – Calma, Paglia – ralhou Barreiros. – Escute...

       – Isto está obrigando o governo brasileiro a tomar uma atitude... – tentou continuar Ceddric, antes de ser interrompido mais uma vez por Paglia.

       – Até que enfim! – Barreiros fez um gesto de advertência. Paglia sossegou. Ceddric continuou.

       – Para piorar A NOSSA SITUAÇÃO... – o Tenente-Coronel realçou esta passagem. – Muitos dos indígenas inseridos neste contexto protestaram contra o tratamento dispensado a eles pelo EXÉRCITO...

       Todos emudeceram...

       Mas Paglia falou primeiro:

       – Mas nós nunca destratamos os índios!... Nem mesmo os mestiços!... Que absurdo é este?!

       – É o que está circulando em Brasília – pontuou Barreiros.

       – E no mundo todo – completou o próprio Ceddric.

       – Sei – volveu Paglia não muito satisfeito da vida, ao contrário. – E o que nós temos de fazer?

       – A questão é até muito simples do ponto de vista operacional – continuou Ceddric. – O 7º PEF terá de ficar na geladeira durante alguns dias, quiçá uns meses...

       – Mas como?! Isso será...

       Ceddric o interrompeu:

       – A região não ficará desprotegida, uma vez que a Polícia Federal aumentou seus efetivos nesta área com a vinda, inclusive, de forças de outros estados, e fará um policiamento ostensivo até a região de fronteira com a Venezuela e a República da Guiana... É o que ficou resolvido em Brasília, no Ministério da Defesa, até que a poeira abaixe em torno deste assunto...

       – Mas Coronel... General...

       – Entretanto... – continuou Barreiros. – A minha vinda a esta unidade tem como prioridade o planejamento de uma missão secreta...

       Armando Paglia parou boquiaberto...

       Barreiros sorriu...

       – Exatamente, Paglia – disse ele. – Quantos homens do S-2 nós ainda temos trabalhando aqui?

       – Depois daquele lamentável acidente com os nossos homens, General... – respondeu Paglia cheio de dedos.

       – Não vamos discutir este assunto agora, Coronel – volveu Barreiros, brandamente. – A PF também está investigando o caso...

       – Está?!

       – Não se assuste, Paglia. Eles são competentes para este tipo de coisa...

       – Eu sei...

       – Vamos ao que importa, Paglia...

       – Quais são os homens que podemos contar? – perguntou Ceddric. Até então o Major Pessanha não falara nada, mas prestava uma atenção!

       Alécio Pessanha assemelhava-se com o Brucutu dos quadrinhos: grande, peludo, cara de macaco, e um ar aparvalhado, mas que sabia reagir como um dínamo se a situação assim o exigisse.

       Isso de parecer, na verdade, com uma personagem dos quadrinhos, era um elogio, porquanto na sua unidade de origem, em Porto Alegre, entre seus confrades, eles só o chamavam de “homem das cavernas”.

       Mas Pessanha era um sujeito divertido entre família.

       – Temos dois – respondeu Paglia sem rebuços. – Aliás, um homem e uma mulher...

       Barreiros e Ceddric entreolharam-se admirados.

Uma vez tendo entrado num acordo tácito, porém silencioso, Ceddric concordou:

– OK. Traga-os para nós.

       – Na verdade ela é uma das melhores especialistas – acrescentou Paglia. – É a Primeiro Tenente Nascimento.

       – Convoque-os imediatamente para uma reunião aqui, Coronel – reforçou Barreiros.

       – Perfeitamente, Senhor...