segunda-feira, 29 de outubro de 2012

O SENHOR DAS ÁGUAS - UNIDADE XI - CAPÍTULO 6 - PARTE 7


– Não, obrigado. Eu não bebo.

– Eu sei, mas eu bebo... – eles se deslocaram até o quiosque mais próximo. – Na verdade eu vou cuidar da Sweetwaters à distância...

– Como assim?

– Eu vou monitorá-la de todas as formas possíveis, Felipe, até porque a Sylvia Salgado, a secretária da Sweetwaters, corre perigo de vida. Eu acho que vou botar você pra protegê-la temporariamente, sabe?

– Eu?!

– É. Você, com treinamento militar de combate na selva e o caralho, é o homem ideal pra fazer este tipo de trabalho... A propósito. Você deve ter uma arma, ou não?

Felipe desconversou redarguindo:

– Por falar em selva, e o tal do Amarilla?

– Depois que essa secretária nos caiu do céu, eu não tenho nenhuma dúvida que ele vai cruzar o nosso caminho de novo. Mas antes de você cuidar da senhora Salgado você vai fazer uma coisinha pra mim...

– Qualquer coisa que me ajude a pôr as mãos nas pessoas que assassinaram a Celha, Mouzon.

– Nós vamos encontrá-las, Felipe. E vamos pô-las na cadeia... Que tal fazermos uma visitinha à Folha da Tarde?

– E o que vamos fazer lá?

– Na verdade eu não vou. Você vai no meu lugar... Conversar com o Sérgio Tavares...

– Quem?
 
          – É um jornalista conhecido meu. Você vai adoçar a boca deste homem...

sábado, 27 de outubro de 2012

O SENHOR DAS ÁGUAS - UNIDADE XI - CAPÍTULO 6 - PARTE 6


Mouzon passou para Felipe um pedaço de papel impresso. O futuro ex-tenente do exército desdobrou-o e leu uma cópia da daquela mensagem encaminhada a Celso Pontes pelo seu superior em código “A2”.

– Essa dona Sylvia Salgado pode ser mesmo uma bisbilhoteira de carteirinha – disse Mouzon, rindo sozinho da própria piada, e completou: – Graças a Deus!

Felipe não fez nenhum comentário logo depois de ler a mensagem. Limitou-se a fechar os olhos e abaixar a cabeça, como se quisesse imaginar cada lance de um jogo macabro. O papel continuou aberto na sua mão, balançando ao vento, correndo o risco de esvoaçar, enquanto Felipe continuava de olhos fechados.

– O Paglia fazia parte desta hierarquia? – perguntou Felipe, arrasado, tentando dominar suas emoções.

– Tudo indica que sim – retrucou Mouzon compungido.

– Realmente – volveu Felipe dorido. – Agora as coisas começam a fazer sentido...

– Eu vou precisar de você, Felipe – disse Mouzon, fitando-o intensamente. – Eu não confio em mais ninguém...

– Nós vamos atrás dos executivos da Sweetwaters?

– Ainda não – respondeu Mouzon laconicamente. – Quer dizer, não diretamente. Neste pedaço de papel já há indícios suficientes de crime, como assassinato e formação de quadrilha, o que nos permitiria entrar na Sweetwaters para investigar todos os computadores da empresa com um mandato judicial. Entretanto, se nós fizermos isso, as pessoas por trás deste “PAÍS DAS ÁGUAS” vão desaparecer. Podemos até conseguir processar os executivos da Sweetwaters, mas o maioral dentro desta hierarquia, por exemplo, o Senhor das Águas, vai apagar suas pegadas pra sempre, e nós vamos ficar como estamos agora, procurando barquinhos num horizonte infinito...

– Você vai me desculpar, Mouzon, quem sou eu pra ficar ensinando missa pro vigário, mas este papelzinho não prova nada! Qualquer um pode forjar uma merda dessa!

– Tudo bem, mas isto não invalida o fato de que qualquer barulho irá afugentar O dono da bola... Isso você concorda...?

– Por onde começamos?

– Ué! Não quer mais se suicidar?

– Não enche, Mouzon!
 
          – Vamos ali tomar um chopinho que eu explico o que nós vamos fazer...

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

O SENHOR DAS ÁGUAS - UNIDADE XI - CAPÍTULO 6 - PARTE 5


Mouzon interrompeu-se, remoendo algo.

Felipe silenciou também, enquanto fitava o mar de seus sonhos longínquos, talvez para se despedir dele definitivamente, então parou e fitou Mouzon com uma expressão altiva.

– Você ia dizer mais alguma coisa, Mouzon...

– É... Ia...

– O quê?

– Não tô querendo dar uma de filósofo, nem bancar o pai pra você, mas a sorte volta e meia sorri pra nós quando a gente menos espera, sabia?...

– É o que dizem...

– É o que dizem, não, é verdade!

– Tá... – retrucou Felipe meio enfarado. – O que você queria dizer mesmo?

– Você conhece uma ONG multinacional chamada Sweetwaters? – Felipe continuou a encará-lo mudo, indecifrável. – Conhece ou não conhece, porra?

– Quem não conhece a Sweetwaters? Mas o que ela tem a ver com essa porra toda?...

– Muito mais do que qualquer um de nós poderia imaginar...

– Peraí...

– Eu disse a você que a sorte...

– Foda-se a sorte, Mouzon! O que a Sweetwaters tem a ver com essa porra?

– Essa mulher salvou a pátria pra nós, rapaz!...

– Que mulher você está falando, caralho?

– Ah! Está interessado nela?

– Fala logo, Mouzon!

– Os dois maiores executivos da Sweetwaters no Brasil tem uma secretária que é bisbilhoteira...

– Pooorraaa!

– Foi graças a esta santa, que eu descobri uma operação chamada PAÍS DAS ÁGUAS, que tem a ver com essa merda toda que está acontecendo em Roraima. Dentro desta operação existe uma hierarquia muito bem montada sobre uma empresa que eu diria destinada a começar o Apocalipse...

– O quê?! Você enlouqueceu, seu veado, ou andou bebendo?! O que quer dizer “PAÍS DAS ÁGUAS”?
 
          – Um código que se refere à Amazônia, com toda a certeza. Quem quer que tenha montado esta operação, uma empresa daqui ou de fora, ou um particular qualquer, bolou um esquema pra se apropriar da reserva Raposa Serra do Sol...

terça-feira, 16 de outubro de 2012

O SENHOR DAS ÁGUAS - UNIDADE XI - CAPÍTULO 6 - PARTE - 4


Mouzon chegou logo depois da ligação.

Felipe estava sentado num dos bancos de cimento que ficavam no calçadão da praia. Solitário, contemplativo.

– Não consegui falar mais com você... – disse Mouzon, calmo, sentando-se bem ao seu lado, e sem fitá-lo, como se quisesse disfarçar que o conhecia, embora esta não fosse sua intenção. Passou a olhar para o mar sem fim, igualmente num silêncio hermético. – Eu queria que você fosse me encontrar na sede da Folha da Tarde...

– O que aconteceu?

– Muita coisa...

– Acabei de destruir o meu celular...

– Porque você fez isso?

– Porque eu quero destruir tudo o que atrapalhe a minha liberdade.

– Garoto, estou começando a ficar preocupado com você, sabia?

– Não perca o seu tempo com isso...

– É sério, rapaz. Dentro de pouco mais de uma semana, sua licença termina...

– Não vou voltar pro Exército, Mouzon...

– O quê?!...

– Nem adianta tentar me dar lição de moral...

– Eu até posso compreender os seus motivos, mas você não vai consertar o mundo...

– E quem te disse qu’eu quero consertar o mundo?... – Mouzon balançou a cabeça, lamentando o estado do seu amigo, porém Felipe justificou-se antes que o delegado pudesse corrigi-lo. – Trata-se de uma questão de limpeza somente...

– Felipe! Você não é mais nenhum adolescente! – advertiu o delegado em tom de reproche. – Desculpe-me ser tão franco com você, mas você está agindo como um menino mimado, que acaba de perder seu brinquedo pra outro garoto mais forte, e não vê alternativa senão chorar! Todo mundo tem perdas na vida, e é nesta hora que temos de aproveitar a lição e crescer... A revolta, num primeiro momento, é benéfica, mas porque ela nos dá gana de reagir, não nos serve de nada se ficarmos agindo como um rebelde sem causa, que passa a punir o mundo por uma derrota natural, que acontece a todo mundo...

– Mouzon, eu não sabia que você era filósofo.

– Deixe de criancice, Felipe! Sabe o que vai te acontecer se não voltar dentro de uma semana pra sua unidade?...

– Serei acusado de deserção.   

– Pior, Felipe! Você vai ser processado e vai perder tudo o que lhe resta...

– O que me resta?

– Sua dignidade.

– Esta já perdeu o valor há muito tempo, Mouzon.

– Pode ser. Mas nós estamos aqui pra não deixar a peteca cair...

– Você talvez ainda tenha esta ilusão, eu não tenho mais!

– Tá certo, Felipe. Queres te suicidar, vai em frente. Eu não vou mais bancar o pai pra você...

– Obrigado. Isso é comovente.
 
          – Você tem o seu livre arbítrio. Aconteça o que acontecer, você vai pagar pelos seus atos...

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

O SENHOR DAS ÁGUAS - UNIDADE XI - CAPÍTULO 6 - PARTE 3


A bela praia de Copacabana...

Quantos poemas, quantos filmes, quantos intelectuais falaram deste lugar e o cantaram para o deleite do mundo...

Era isto...

O mundo amava Copacabana. Felipe amava Copacabana. Todo mundo amava as coisas belas, mas o Feio governava o mundo...

O que fazer para eliminar o Feio que contamina os belos corações sobre a face da Terra?

Felipe chegou à conclusão que algum dia ele amara todas essas coisas belas cantadas pelo poeta, mas o significado desta beleza de outrora estava perdido para sempre...

Felipe continuou lá, numa dor que era só sua, porém o celular, o objeto que talvez representasse melhor esta época desgraçada que ele vivia, sinalizou que o mundo ao qual ele já estava farto, ainda estava bem vivo a sua volta...

Era Mouzon...

Felipe deu todas as coordenadas pelo telefone de onde se encontrava e depois arremessou o celular o mais longe que pôde...
Não viu sequer onde aquele objeto, símbolo de um paradigma falido, foi espatifar-se...

domingo, 7 de outubro de 2012

O SENHOR DAS ÁGUAS - UNIDADE XI - CAPÍTULO 6 - PARTE 2


OK...

Mouzon também não a conhecia...

Certo.

Porém Felipe ignorava que este inimigo possuía alguns tentáculos, e que o seu novo amigo acabava de descobrir dois deles.

Felipe deixou o hotel onde estava hospedado a três dias, em Copacabana, na zona sul do Rio. Não deu nenhuma satisfação a Flávia para sair de casa, nem achava que precisava. Não levara muita coisa com ele, apenas o essencial para tocar sua vida nesses primeiros dias depois do despertar, quando, decididamente, afirmara todos os seus valores, abrindo uma guerra declarada contra seu mundo insustentavelmente avesso.

Flávia também não o procurara, ferida no seu orgulho feminino. Para Felipe este nome pertencia ao passado.

Largaria o Exército, a Marinha, a Aeronáutica! Tudo o que cheirasse a instituição solidamente constituída, porque, no seu íntimo, queria acabar com tudo, tijolo por tijolo, desta civilização caótica.

Mas não se enganem!

Não se tratava de um senso de destruição alucinado, inconseqüente, demente mesmo. Não. Era a resposta de uma mente consciente contrária a uma sociedade suicida, que alimentava outras tantas mentes criminosas, em todos os sentidos e direções; uma “organização” que precisava ser demolida com a inteligência de um líder puro de coração, que tivesse a coragem necessária para revelar ao mundo que o Rei estava nu.

Felipe não acreditava ser ele este homem, longe disso. Mas alguém tinha que enlouquecer, no bom sentido, e começar a cavar a estrada que amanhã serviria a todos os demais.

Este episódio da reserva Raposa Serra do Sol indicava o ponto ômega de todo o processo, embora, ao mesmo tempo, significasse também que o tiriteiro que manipulava as marionetes estava bem atento aos ventos da mudança, e trabalhava arduamente para consolidar todo este poder de lodo e cadáveres.

Felipe não queria saber de mais nada; acabara de morrer para este mundo dos equívocos milenares.
Ele chegou até a praia de Copacabana...

terça-feira, 2 de outubro de 2012

O SENHOR DAS ÁGUAS - UNIDADE XI - CAPÍTULO 6 - PARTE 1


 “Foi com muita dificuldade que a polícia conseguiu dominar a crise no Rio. A presença maciça da Guarda Nacional garantiu um reforço extra para a segurança do Estado, e, principalmente, na capital, onde o choque de desordem foi muito mais sério que nos demais municípios fluminenses. O Governador acusou o crime organizado de querer instalar o caos no Rio de Janeiro, uma vez que sua política de confrontação estava incomodando os interesses do crime organizado, mas ele afirmou que “a Polícia está pronta para limpar a cidade desses marginais que mancham o bom nome do Rio no resto do mundo”...

E blá blá blá blá.

Não é nada disso...

Ele largou o jornal, desanimado...

Sabia perfeitamente que a imbecilidade dos políticos nacionais convinha aos interesses de uma casta privilegiada, que jogava exatamente com a ignorância de todos os indivíduos da sociedade sobre as causas por trás da desordem organizada, uma vez que os caciques desta casta estavam muito acima do bem e do mal, vivendo em seus castelos inalcançáveis, onde um fosso de águas pútridas os separava dos demais mortais.

A própria imprensa não admitia – talvez porque grande parte dela também ignorasse – que este caos era produto de uma orquestração muito bem planejada, e que surtia o efeito requerido.

Será que eles não sabem, realmente, quem é o verdadeiro vilão – ou vilões – da história?
Bom, nesse caso estamos no mesmo barco, porque eu também não conheço a verdadeira face do meu inimigo, e duvido que Mouzon o saiba...