sábado, 11 de agosto de 2012

O SENHOR DAS ÁGUAS - UNIDADE XI - CAPÍTULO 2


– Você não vai pagar nada, Flávia! Até porque quem paga a porra toda aqui nesta merda sou eu!... Pode almoçar em paz, e depois vai badalar com suas amiguinhas ocas, vai...

A irritação de Flávia foi crescendo, e ela quase se engasgou:

– O que você está insinuando, hem?!

– Nada! – respondeu ele irônico. – Eu não insinuei, disse a verdade. Mesmo que eu insinuasse alguma coisa você não ia entender mesmo! E se entendesse, ia cagar solenemente!... Sabe porque, “Flavinha”?... Porque você está cagando pro mundo!... O que lhe importa que nós nos encontremos na maior encruzilhada da história?... Veja que eu ainda incluo você no mesmo barco que eu, porque, na verdade, parece que você vive numa realidade paralela, que não pode ser tocada pela mesma qu’eu vivo!...

– O que está acontecendo com você, hem, Felipe? Brigou com a namoradinha do quartel?

Flávia não teve a intenção de atingir Felipe no seu ponto mais vulnerável, até porque ela nem imaginava que Celha Regina existisse. Ou melhor, que algum dia tivesse existido. Na verdade ela não fazia nenhuma idéia do que se passava no dia-a-dia do marido. Acontece que ela ficara realmente furiosa com aquela casmurrice que julgava absurda, fora de hora. Tratava-se de uma mulher carinhosa, sem dúvida alguma, quando solicitada; prestativa na medida do possível, porquanto abominasse qualquer coisa relativa à casa, no sentido doméstico do termo, mas em se tratando de perceber aquilo que estava fora do seu universo microscópico, era a cidadã mais distraída do mundo, uma distração que cheirava a indiferença. Talvez não fosse uma coisa premeditada, mas com certeza alienação em seu mais alto grau.

 Numa circunstância normal a provocação de Flávia faria Felipe sorrir, porém, em virtude dos últimos acontecimentos trágicos passados em Roraima, ele perdeu a linha...

– Sabe de uma coisa, Miss Frivolidade? A sua vidinha mais ou menos pouco importa pra mim também... Neste mundo caótico, onde reina a insegurança, o desrespeito mútuo, a alienação em todas as suas formas, onde o hediondo é diversão de muitos, e a solidariedade atributo de poucos, onde cada um de nós é um boneco descartável, o que mais posso esperar?... O melhor que você faz, dentro das atuais circunstâncias, é desfilar esta beleza de barro por aí... “Mas cuidado com a chuva, meu bem” – acrescentou, imitando uma perua caricata. “– Ela pode estragar sua maquiagem”...

Tudo ficou em silêncio depois do ataque furibundo de Felipe.

Flávia engoliu as palavras de resposta, limitando-se a se trancar no banheiro...

Chorou durante horas.

Felipe não se incomodou com ela...

Voltou a sua cova no Monte Calvo.

Flávia saiu logo depois...

E não voltaria mais naquele dia...

Felipe não se importou.

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