quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

O SENHOR DAS ÁGUAS - 2ª PARTE: BRAZIL - UNIDADE V - CAPÍTULO 1


Não havia uma única mísera nuvem naquele pedaço de mundo, embora todo mundo soubesse que a chuva cairia por volta da manhã, em algum lugar, certamente, posto que o movimento mostrava-se efêmero, mas certo.

       Portanto, uma manhã extremamente quente, seca, inevitável, bulhenta com seus cadáveres espalhados por um perímetro determinado, abaixo das copas das árvores, telhado inexorável que ligava o céu e a terra ainda úmida de algum orvalho temporão.

       O vento não balançava arbustos, mas grossos galhos dispersos, sobremaneira desprotegidos, caindo, mas isto era previsto...

       Sempre.

       Não era óbvio que os passarinhos que romperam à alvorada súbita estivessem fugindo do estio incruel.

       Nada disso espantava sua disposição inabalável para o trabalho...

       Ainda que madrugada fosse, mas aí os pássaros seriam outros por certo.

       O calor continuava porejando-lhe a testa branca avermelhada muito mais do que o costume estabelecia, principalmente num homem cuja calvície sexagenária pronunciada não lhe ajudava nem no verão eterno dos trópicos, nem nas estepes geladas do Norte, aliás, em nenhum momento de sua vida Charles Taylor reclamava de sua carequinha charmosa, dizia Susan.

       Entretanto, ela também não fazia melhor...

       O calor sufocante tropical empapava-lhe as vestes leves beges, ainda que estas lhe fossem sumárias, na medida em que lhe permitia o seu decoro bretão.

       Mas Susan Taylor, ao contrário do marido, não reclamava do calor...

       Amava-o inclusive!

       Charles não chegava ao cúmulo de insultar-lhe a inteligência européia imperialista a este ponto; respeitava-a, contudo, mas não amava o calor com a mesma intensidade sonora de sua mulher propensa.

       Isto era amor ao próximo, considerava Charles, e ele amava sua esposa como ninguém. Aliás, a lei dos homens e a de Deus não o permitia.

       Nesta manhã, todavia, não haveria pesquisas de campo; não haveria redes; nem passarinhos; muito menos as tais migrações.

       Charles e Susan Taylor bem que tentaram aproximar-se da reserva Raposa Serra do Sol, mas foram convencidos a não praticarem ciência àquela manhã ensolarada.

       Um enxame de policiais federais, soldados do exército, agentes do IBAMA, e outras patentes não tão bem determinadas, estavam por toda parte.

       Às siglas é que parecia pertencer a Amazônia...

       Pelo menos por aqui.

       – Não acho aconselhável o Senhor e a sua esposa trabalharem por aqui hoje – preveniu o agente da lei. – Para o seu próprio bem, senhor.

       – Mas nós temos importantes pesquisas a realizar ainda hoje, policial – obtemperou Susan, acrescentando: – O seu governo é um dos maiores interessados no nosso trabalho...

       – Eu não estou colocando isto em dúvida, senhora... – o agente da lei hesitou. – Por onde vocês andaram nestes últimos dias?!... – hesitou de novo. – Meu Deus! O inferno andou a solta por aqui... Pessoas morreram, e não foram poucas! Foi um pandemônio! Os índios estão em pé de guerra e vocês querem simplesmente trabalhar!

       – Já entendi, oficial – elogiou, cinicamente, Charles Taylor. – Vamos, Sue... Este funcionário tem razão, sabia? Não é uma boa época para trabalharmos. O tempo, afinal, é nosso aliado...

       – Você está louco?! – Susan repreendeu o marido.

       – Vamos, vamos...

       Apesar de estar visivelmente contrariada, Susan não mais questionou a razão do funcionário, ou policial, posto que isto fosse o que menos lhe interessava neste momento.

       Eles foram se afastando do local calmamente.

       – Você quer complicar as coisas, Susan! 

       – Mas que diabos você está falando! Ficou louco?! Nós não estamos fazendo nada de errado...

       – Não, mas você sabe muito bem como age a polícia deste país...

       – E eu com isso?! Nós temos permissão para trabalhar neste lindo país!...

       – Susan! Por favor! Não me arruíne as coisas, sim?

       – Charles Taylor! O Senhor é um covarde!

       – Prefiro ser um covarde a ver tudo o que fizemos jogado no lixo...

       – Eu não concordo com sua tese de avestruz...

       – Vamos para casa, Susan... Acelerado!

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