Não havia uma única
mísera nuvem naquele pedaço de mundo, embora todo mundo soubesse que a chuva
cairia por volta da manhã, em algum lugar, certamente, posto que o movimento
mostrava-se efêmero, mas certo.
Portanto,
uma manhã extremamente quente, seca, inevitável, bulhenta com seus cadáveres
espalhados por um perímetro determinado, abaixo das copas das árvores, telhado
inexorável que ligava o céu e a terra ainda úmida de algum orvalho temporão.
O
vento não balançava arbustos, mas grossos galhos dispersos, sobremaneira
desprotegidos, caindo, mas isto era previsto...
Sempre.
Não
era óbvio que os passarinhos que romperam à alvorada súbita estivessem fugindo
do estio incruel.
Nada
disso espantava sua disposição inabalável para o trabalho...
Ainda
que madrugada fosse, mas aí os pássaros seriam outros por certo.
O
calor continuava porejando-lhe a testa branca avermelhada muito mais do que o
costume estabelecia, principalmente num homem cuja calvície sexagenária
pronunciada não lhe ajudava nem no verão eterno dos trópicos, nem nas estepes
geladas do Norte, aliás, em nenhum momento de sua vida Charles Taylor reclamava
de sua carequinha charmosa, dizia Susan.
Entretanto,
ela também não fazia melhor...
O
calor sufocante tropical empapava-lhe as vestes leves beges, ainda que estas
lhe fossem sumárias, na medida em que lhe permitia o seu decoro bretão.
Mas
Susan Taylor, ao contrário do marido, não reclamava do calor...
Amava-o
inclusive!
Charles
não chegava ao cúmulo de insultar-lhe a inteligência européia imperialista a
este ponto; respeitava-a, contudo, mas não amava o calor com a mesma
intensidade sonora de sua mulher propensa.
Isto
era amor ao próximo, considerava Charles, e ele amava sua esposa como ninguém.
Aliás, a lei dos homens e a de Deus não o permitia.
Nesta
manhã, todavia, não haveria pesquisas de campo; não haveria redes; nem
passarinhos; muito menos as tais migrações.
Charles
e Susan Taylor bem que tentaram aproximar-se da reserva Raposa Serra do Sol,
mas foram convencidos a não praticarem ciência àquela manhã ensolarada.
Um
enxame de policiais federais, soldados do exército, agentes do IBAMA, e outras
patentes não tão bem determinadas, estavam por toda parte.
Às
siglas é que parecia pertencer a Amazônia...
Pelo
menos por aqui.
–
Não acho aconselhável o Senhor e a sua esposa trabalharem por aqui hoje –
preveniu o agente da lei. – Para o seu próprio bem, senhor.
–
Mas nós temos importantes pesquisas a realizar ainda hoje, policial –
obtemperou Susan, acrescentando: – O seu governo é um dos maiores interessados no
nosso trabalho...
–
Eu não estou colocando isto em dúvida, senhora... – o agente da lei hesitou. –
Por onde vocês andaram nestes últimos dias?!... – hesitou de novo. – Meu Deus! O
inferno andou a solta por aqui... Pessoas morreram, e não foram poucas! Foi um
pandemônio! Os índios estão em pé de guerra e vocês querem simplesmente
trabalhar!
–
Já entendi, oficial – elogiou, cinicamente, Charles Taylor. – Vamos, Sue...
Este funcionário tem razão, sabia? Não é uma boa época para trabalharmos. O
tempo, afinal, é nosso aliado...
–
Você está louco?! – Susan repreendeu o marido.
–
Vamos, vamos...
Apesar
de estar visivelmente contrariada, Susan não mais questionou a razão do
funcionário, ou policial, posto que isto fosse o que menos lhe interessava
neste momento.
Eles
foram se afastando do local calmamente.
–
Você quer complicar as coisas, Susan!
–
Mas que diabos você está falando! Ficou louco?! Nós não estamos fazendo nada de
errado...
–
Não, mas você sabe muito bem como age a polícia deste país...
–
E eu com isso?! Nós temos permissão para trabalhar neste lindo país!...
–
Susan! Por favor! Não me arruíne as coisas, sim?
–
Charles Taylor! O Senhor é um covarde!
–
Prefiro ser um covarde a ver tudo o que fizemos jogado no lixo...
–
Eu não concordo com sua tese de avestruz...
–
Vamos para casa, Susan... Acelerado!
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