O
período compreendido entre a primeira chamada e o comparecimento sem delongas
podia ser qualificado de nanico, ou seja, segundo alguns especialistas em tempo
padrão, num estudo de física especulativa, um nanossegundo seria pouco para
mensurar o apogeu da durabilidade para a assim chamada assiduidade dos oficiais
com alto grau de profissionalismo.
Tudo
isto, Celha Regina e Felipe Corrientes ignoraram, logicamente, desde o primeiro
milésimo de segundo que tomaram consciência integral das pessoas que estavam naquela
unidade militar...
Ponto.
As apresentações
também, não levaram mais do que alguns segundos, catalogados como fisicamente
normais.
Celha
Regina olhou cada um daqueles homens nos olhos, conquanto não exprimisse
exatamente seus verdadeiros sentimentos em relação à surpresa daquela
convocação extraordinária, porquanto ela em hipótese alguma poderia denunciar
seu disfarce, uma vez que aqueles oficiais eram mestres no controle de
situações fora de escala...
Esquadro.
No
entanto, Celha Regina, para variar, reagira com a rapidez esperada numa
“expert”, calculando os mínimos detalhes. Seu cérebro já trabalhava para
solucionar a situação que viria logo a seguir, cuja qual poderia até mesmo
imaginar, porém jamais configurá-la totalmente como se materializaria depois,
embora, no final das contas, tudo viesse a calhar.
Já
a posição de Felipe igualmente poderia ser prevista, uma vez que ele também se
distinguia como um oficial de elite muito bem treinado para improvisos, o que
não era exatamente o “status” da missão que se desenrolaria dali em diante, mas
ele sempre se apresentava tranqüilo em presença de quaisquer graduados,
porquanto sua base filosófica estava bem assentada no universo metafísico.
O
Tenente-Coronel Ceddric, depois de analisar o perfil de cada um dos jovens, tirou
suas conclusões acerca dos tipos de seres humanos que tinha diante de si, assim
como a competência técnica de cada um, o valor militar necessário, uma vez que
fora devidamente orientado por Barreiros, claro está, haja vista que ambos,
Barreiros e Ceddric, analisaram os currículos dos dois tenentes antes que a
viagem começasse...
–
Não é uma missão muito simples, homens... – disse o sujeito com pinta de
mosqueteiro gascão com uma envergadura de comandante de West Point.
Celha
e Felipe continuaram a olhar seu superior muito compenetrados na palestra, sem
observar que Armando Paglia roia as unhas, e o Major Pessanha, Brucutu entre os
íntimos, mas muito perspicaz, observava o nervosismo do Coronel, o que, para
felicidade dele, não fora diagnosticado como devia.
Barreiros
também...
Não
percebera nada...
Parecia
hipnotizado com a fala segura e resoluta do oficial do Estado-Maior...
Que
dizia exatamente o que se segue...
–
A alguns quilômetros daqui, entre os limites de fronteira que temos com a
Venezuela... – balbuciou Ceddric monotonamente. – nosso setor de inteligência
localizou, via satélite, um aeródromo clandestino... Estamos convencidos que
ele pertence aos traficantes de drogas, e ainda pelas imagens de satélite, tudo
leva a crer que existem instalações primárias para o refino da droga... – Fez
uma pausa breve; muito breve; breve mesmo. Ninguém comentou nada, então Ceddric
continuou: – A missão de vocês dois – disse Ricardo Guimarães Ceddric, olhando
fixamente os dois jovens nos olhos, que, necessariamente, não o estavam
encarando nesta mesma ordem. Ceddric continuou: – Portanto, sua missão consiste
em entrar neste acampamento e destruir tudo... – parou novamente. Celha Regina
e Felipe simplesmente o olhavam mudos, pensativos, mas sem comentários. – Não
está descartada a possibilidade de ocorrer alguns óbitos, mas vocês tem de
capturar pelos menos alguns dos cabeças do tráfico... – e parou mais uma vez,
torturantemente fragmentário, repulsivo até, chegou a pensar Celha, então
reencetou: – Devo mencionar também que, este sítio, na verdade, está localizado
em território venezuelano, ou, pior ainda, numa terra de ninguém entre os dois
países, o que torna a missão de vocês muito mais perigosa, porquanto
clandestina, mas que deve ser feita a qualquer preço, haja vista que as
autoridades venezuelanas parecem estar fazendo vistas grossas aos nossos
“convidados”, e eles estão agindo dentro do nosso território impunemente, quer
dizer, a droga que eles transportam e refinam vem toda para o comércio no
Brasil... – Celha cogitou que tipo de missão suicida era esta para a qual os
estavam empurrando, mas chegou à conclusão que ela se adequava perfeitamente
aos seus planos estratégicos. – Não preciso lembrar-lhes, portanto – continuou
Ceddric na sua ladainha – que vocês estão absolutamente sozinhos nessa... –
este foi um toque de malícia regada à gíria cuja qual Felipe não apreciou.
Segundo o jovem do Rio de Janeiro, havia ali algo não muito bem esclarecido, o
que era alarmante, claro... – Não esperem ajuda de qualquer espécie de nenhum
setor militar ou qualquer outro – acrescentou o homem do Estado-Maior. – Se vocês
forem pegos... ou feridos... ou mortos, ninguém poderá ajudar... nem reclamar
ou requerer seus corpos... – Celha e Felipe não agüentavam mais essas pausas
carregadas de suspense. Estavam como que enfarados desse joguinho de terror da
Suprema Inteligência. – Este trabalho será totalmente voluntário. Nós sabemos
que vocês dois estão entre os melhores dos melhores para o serviço... Então? Aceitam
VOLUNTARIAMENTE participar desta missão patriótica?
O
semblante de Felipe se iluminou, a princípio...
Com dois olhinhos
que pareciam semáforos de raios lasers, seu peito se encheu de um orgulho algo
lisonjeiro, por mais que ele fabricasse castelos de cartas acerca de uma
sociedade imperfeita, insana, saturada de desejos irrealizáveis, e todos os
equívocos da cristandade malsã. Felipe se sentiu útil, vital, insubstituível...
Mas foi uma ilusão
passageira...
Que logo o fez cair
na real.
– Permita-me uma
pergunta, Senhor? – falou Felipe.
Celha
Regina entrou em pânico.
Ceddric,
Barreiros e Pessanha se entreolharam no que parecia estar totalmente fora de
roteiro...
Porém
Ceddric concedeu-lhe um último desejo.
–
Qual a verdadeira natureza desta missão? – perguntou Felipe, desconcertante,
abalando o eixo das esferas particulares.
–
“Qual a verdadeira natureza desta missão”, Tenente?! – de fato, ninguém havia
entendido a natureza da pergunta, e Ceddric muito menos.
–
Eu pensei que você tivesse compreendido, soldado – redargüiu Barreiros um
tantinho confuso – pois a explanação do Tenente-Coronel foi claríssima...
–
Foi, Senhor – volveu Felipe, com aquele ar de filósofo obscuro. – Mas eu quero
dizer... Qual a verdadeira motivação que se esconde por detrás desta missão,
Senhor... Quer dizer, existe uma razão realmente palpável para que nós dois
sejamos enviados para o meio do nada, dispostos a morrer como heróis anônimos?...
Nem isso talvez! A troco de quê?!
–
Este rapaz enlouqueceu! – esbravejou o silencioso e contido Pessanha.
Armando
Paglia, por seu lado, pensou em desfalecer, como que um doente terminal, ou uma
bicha histérica, mas intuiu que aquilo, além de não pegar muito bem para um
comandante de batalhão, não ia lhe adiantar muita coisa. Felipe parecia ter
enlouquecido mesmo, embora Paglia já estivesse habituado, de certa forma, às
esquisitices do seu subordinado.
–
O que é isso, Fê? – sussurrou Celha, emocionalmente chantagista. – Nós somos
oficiais do Exército brasileiro... – E voltando-se para seus superiores, dando
um ar de fanatismo a sua fala a seguir, interpretando, talvez, o melhor papel
da sua vida: – Nós compreendemos perfeitamente a natureza desta missão, Senhor!
Felipe
olhou para ela com um ar de irritação, mas que foi logo contornado com outro
golpe igualmente mortal de Celha, que pôs fim a qualquer reação retórica que
por acaso Felipe pudesse contrapor.
–
Nós entendemos, inclusive, Senhor, que as vidas de centenas de milhares de
jovens brasileiros podem depender desta simples missão de localização e
destruição dos inimigos do Brasil...
Isto fez com que
Felipe se calasse em definitivo, contanto aquela sensação de vazio existencial
permanecesse na mente do jovem.
Armando
Paglia voltou a manifestar um pensamento pessimista, de fracasso mesmo: o que
fazer quando todos os seus planos vão por água abaixo e você já se vê
aposentado, pescando com a família numa casa de praia no litoral do Paraná,
embora Paglia detestasse pescar, até que o sol queime a última das minhocas
pesqueiras que você guarda no samburá?
Esta
sensação desagradável tomava conta de todo o ser de Armando Paglia, e que ele
não podia expressar, como que engolindo um remédio amargo, sobpena de ver todos
os seus sonhos naufragarem nesta praia quimérica...
Enfim...
Entretanto,
tudo se encaminhou para o desenlace fatídico...
Contudo,
ainda havia uma dúvida, e Celha, como boa maquiavélica, não poderia deixar por
menos:
–
Nosso setor de inteligência nos assegura, então, que este campo de pouso
clandestino pertence mesmo aos traficantes internacionais de drogas?
Ninguém
entendeu aonde Celha queria chegar, e Ceddric replicou:
–
O que, exatamente, Tenente Nascimento, a senhorita quer dizer?
Um
desabafo automático, num sopro de indignação algo contida, Ceddric virou-se
para Paglia e disse:
–
Você tem certeza que esses dois são nossos melhores homens?
Armando
Paglia afundou na cadeira, porém Celha não o deixou se afogar:
–
Perdoe-me o questionamento meio intangível, Senhor, mas minha dúvida tem uma
razão de ser. Se nós cometemos uma falha na avaliação da importância do sítio
em questão, e a opinião pública venezuelana, ou a imprensa, descobrir que dois
estrangeiros invadiram seu território, agora, que a compulsão Chavista na
Venezuela é a pior possível, mesmo que para desbaratar traficantes hostis ao
mundo todo, o tiro pode sair pela culatra, Senhor. Isto aconteceu na Colômbia e
no Equador.
–
Não há nada de intangível em sua avaliação, Tenente. Aliás, ela vem muito a
propósito – sentenciou Ceddric. – Acontece que nós não podemos cancelar, ou
mesmo postergar, esta missão... As ordens nos foram dadas pelo próprio Ministro
da Defesa. Não há como questioná-las, ainda que eu concorde com a senhorita ipsis
litteris. Se qualquer coisa sair errada, estamos todos, com o perdão da
palavra, FODIDOS!
–
Não há mesmo como contarmos com o apoio da Polícia Federal? – perguntou Felipe,
esquecendo-se momentaneamente de suas idiossincrasias revolucionárias.
–
Impossível! – disse, enfático, o General Barreiros. – Como o Tenente-Coronel
disse, esta é uma missão extraoficial; sem o aval do governo, ou das Forças
Armadas. Estamos atuando em território venezuelano, no meio de uma fronteira
mal definida. Não há outra possibilidade, soldados.
E assim estava
encerrado um capítulo da história...
Mas ainda havia
tempo para subterfúgios...
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