quinta-feira, 6 de outubro de 2011

O SENHOR DAS ÁGUAS - unidade I, capítulo 7


7



E foi numa tarde após tantas outras que se deu o primeiro confronto...

Felipe e Celha, alvos já de certo disse-me-disse, algumas bocas maledicentes garantindo, inclusive, que Celha já era comida do Comandante Paglia, agora parecia oferecer os seus favores ao rebelde Felipe, quando as duas facções depararam-se no meio do pátio do quartel...

Foi um arremate breve, mas que causou estrago.

Disse o Capitão Siboldi com malícia algo ferina, dirigindo-se ao Tenente Corrientes:

– E aí? Continua escutando atrás das portas, filhinho de papai?

Havia um clima de animosidade explícita, prestes a explodir num conflito mais grave a qualquer momento...

Entretanto vários dias de relativa paz se passaram sem que ninguém chegasse ao impasse final, àquilo que ninguém gostaria que acontecesse.

Celha, como possuísse uma compreensão maior do todo que a do companheiro, e preparação psicológica também, conseguiu evitar que Felipe cedesse às provocações, porque era justamente o que almejava Siboldi.

Num belo dia os dois voltaram a se esbarrar no corredor, numa hora em que o serviço já estava encerrado. Contudo, para piorar a situação, Felipe estava de ovo virado, como sói dizer. Houve um principio de tumulto. Felipe ameaçou partir pra cima do Capitão, o que seria uma clara demonstração de indisciplina, punida exemplarmente por qualquer superior. Porém houve atenuantes: Felipe não chegou a se engalfinhar com o seu superior, porque foi detido por sua amiga Celha, pelo Sargento Gusmão e o Tenente Mascarenhas, ambos da corriola de Siboldi, mas ainda assim a refrega não podia passar em branco...

Felipe e Celha foram recebidos no gabinete particular do Coronel Paglia.

– O que, exatamente, está acontecendo entre vocês, Tenente Corrientes?... Eu já soube de várias versões, mas decidi não acreditar em nenhuma delas até ouvir a sua primeiro.

Era um interrogatório, não havia dúvida! E nem poderia ser diferente, haja vista que o que estava em jogo neste momento era a ordem dentro de um quartel militar, e ordem era um artigo fundamental para qualquer instituição desta natureza, porém, havia um clima de camaradagem por parte do Coronel Paglia, próprio do seu temperamento conciliador, vaselinamente bem entrevisto pela Tenente Nascimento.

– Apenas e tão somente um desentendimento bairrista sem maiores proporções, Comandante – arrematou Celha, tergiversando.

 – Está me parecendo isso também – concordou Paglia com aquele eterno sorriso de bom humor. – Mas eu queria a sua opinião a este respeito – completou, apontando a boca cheia de dentes branquinhos para Felipe.

Ele demorou muito a engatar a primeira marcha, mas enfim pegou.

– Siboldi é daqueles paulistas que se acham mais espertos do que qualquer outro brasileiro, só que ele não entende que malandragem não se aprende na escola – arrematou Felipe deliberadamente omisso.

– Vamos fazer uma coisa, Corrientes... – retrucou Paglia com aquele sorrisinho divertido e insistente que chegou a irritar um pouco Felipe por achá-lo um tanto forçado naqueles lábios grossos quebradiços. – Vamos esquecer esta bobagem toda, tá? – de repente, aquele sorriso fácil desapareceu da expressão matreira do Coronel Paglia, e um ar de seriedade substituiu aquel’outro. – Até porque isto pode atrapalhar o rendimento de vocês nas ações que estamos desenvolvendo, o que me obrigaria a intervir de maneira severa contra os dois, o que eu espero não ter de fazer. Não posso mexer no nosso time agora.  

– Além da questão Raposa Serra do Sol, Coronel, existe alguma questão “extra” em andamento? – perguntou Celha com alguma malícia.

Paglia observou-a atentamente antes de responder, uma expressão absolutamente indecifrável.

– Nós trabalhamos num quadrante de fronteiras, Tenente Nascimento – volveu Paglia categórico, porém ameno, disfarçando o que ia ao intimo. – Estamos sempre prontos às missões de emergência. Bem, Corrientes, não ouvi sua resposta, garoto...

– Claro que sim, Coronel – respondeu Felipe meio cabisbaixo, mas não tanto. – Aquilo foi uma bobagem de nossa parte...

– Como toda grande família, sempre há um arranca rabo – Paglia voltou imediatamente ao seu tom habitual. – Deixe o Capitão Siboldi comigo – acrescentou relaxado, cínico, brincalhão.

Nenhum comentário:

Postar um comentário