quarta-feira, 12 de outubro de 2011

O SENHOR DAS ÁGUAS - UNIDADE II, CAPÍTULO 1


Alguns palavrões em inglês, absolutamente inéditos para uma audiência pouco acostumada à língua, encheram o ar da floresta.

       Nenhum daqueles pássaros, entre miríades de outros seres não menos interessantes, ligou para as advertências monossilábicas que agora se seguiam às imprecações indignadas daquele homem praticamente nu, embora o tom da pele o denunciasse como um estrangeiro.

O motivo de tanta irritação era simples: Mister Taylor estava enredado na própria rede...

Ele tentava pegar alguns incautos passarinhos para seu mais recente estudo sobre as migrações das espécies ornitológicas...

Uma série de gargalhadas femininas de boa cepa, divertidas mesmo, logo se seguiram aos reclames internacionais.

– Ora veja você, Charles! O caçador tornou-se a caça!

– Você quer deixar de bancar a engraçadinha e me ajudar a sair daqui?

O tom de voz de Charles Taylor ainda era de irritação.

A propósito. A mulher que havia lhe falado, em português, porque eles o entendiam e falavam com muito prazer, era Misses Susan Taylor, uma grande biologista, que ajudava o ornitólogo e marido no trabalho de campo há já três décadas.

Misses e Mister Taylor já não eram garotinhos, embora gostassem daquele ritual célebre de esconderem a idade, orçada de qualquer maneira lá pela casa dos sessenta, é o que se dizia a boca pequena, na pequena comunidade onde viviam, em Little Town, República da Guiana.

– Acho melhor cortar a rede – volveu Susan sintomaticamente. – Oh, meu amor! Você se enredou de tal forma que não vejo outro jeito de tirá-lo daí...

– Tira essa merda logo, Susan! – esta frase foi proferida em português mesmo, com toda a ênfase que a situação exigia. – Não importa se estragar!

– Tá bom... – dizia ela sem perder o bom humor. – Vou cortá-la...

Logo depois Mister Taylor já estava livre da rede.

– Mas como você foi se enrolar na rede, Charles?

– Eu estava observando aquele casal de uirapurus de ontem, você lembra deles?... Pois eu tinha me esquecido da posição exata onde tinha armado essa merda!... Eu fiquei puto com a minha distração, aí saí arrastando a porra da rede que nem um alucinado...

– Calma, Charles! Nós temos dúzias destas redes em casa!

– Eu sei que temos, Sue! Só me preocupa a minha desatenção dos últimos tempos... Acho que estou ficando velho, sabe...

– É natural, meu querido. É óbvio que nós já não somos tão jovens de quando aqui chegamos... Você se lembra? Foi na década de oitenta...

– Se me lembro? Claro que eu me lembro! Como poderia esquecer. Acho que eu tive a mesma sensação dos portugueses há cinco séculos, a de ter encontrado o paraíso...

– Sabe de uma coisa, Charles? Eu ainda penso que estamos nele, apesar de tudo. Apesar do desmatamento, da ganância humana, da ignorância...

– Se nós não tomarmos muito cuidado com isto aqui, em poucas décadas a maior parte deste nosso paraíso terá desaparecido...

– Você acredita mesmo nisso?

– Olha o que nós fizemos com as florestas da maioria do planeta... O que os próprios brasileiros fizeram com a Mata Atlântica... Às vezes eu tenho muito medo, Sue.

– Você acha que pessoas como o Tanaka, por exemplo, deixariam?

– O Tanaka?! Aquele japonês só quer enriquecer, meu anjo! Ele não tem qualquer comprometimento com a sobrevivência da floresta, o que ele quer é engordar sua já bojuda conta bancária no Japão.

– Você está sendo injusto com o Tanaka, Charles! Eu gosto muito dele. Ele é muito nosso amigo...

– Nosso amigo, é?

– O trabalho dele depende diretamente da floresta. Se não houver Amazônia, ele perde a “bojuda conta bancária no Japão”.

– Ele não depende da floresta, Susan! Que espécie de blasfêmia é esta que você está dizendo? Além do mais, se um comerciante perde sua fonte de renda ele migra pra próxima...

– Não o Tanaka, Charles! O Tanaka está tão envolvido com isto daqui quanto nós...

– O negócio do Tanaka é exportar arroz, minha querida. Mais nada além disso.

– Não seja tão exigente com ele, Charles Taylor. É preciso que se tenha um pouquinho de benevolência...

– E uma pitada de pusilanimidade também, não é?

– Deixe de ser tão pessimista, Charles! O mundo sobreviverá a nós...

– Espero que sim, my darling! E você será canonizada pela Igreja Católica em 2100... “Santa Susan Chapman”...

– Deixe de ironias, seu bobo. Nós ainda temos muito que fazer por hoje...

– Mas logo agora que estávamos tratando da sua canonização?

– Recolha suas coisas, Doutor Taylor! Nossos passarinhos nos esperam em casa...

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