Alguns palavrões em
inglês, absolutamente inéditos para uma audiência pouco acostumada à língua,
encheram o ar da floresta.
Nenhum
daqueles pássaros, entre miríades de outros seres não menos interessantes,
ligou para as advertências monossilábicas que agora se seguiam às imprecações
indignadas daquele homem praticamente nu, embora o tom da pele o denunciasse
como um estrangeiro.
O motivo de tanta
irritação era simples: Mister Taylor estava enredado na própria rede...
Ele tentava pegar
alguns incautos passarinhos para seu mais recente estudo sobre as migrações das
espécies ornitológicas...
Uma série de
gargalhadas femininas de boa cepa, divertidas mesmo, logo se seguiram aos
reclames internacionais.
– Ora veja você,
Charles! O caçador tornou-se a caça!
– Você quer deixar
de bancar a engraçadinha e me ajudar a sair daqui?
O tom de voz de
Charles Taylor ainda era de irritação.
A propósito. A
mulher que havia lhe falado, em português, porque eles o entendiam e falavam
com muito prazer, era Misses Susan Taylor, uma grande biologista, que ajudava o
ornitólogo e marido no trabalho de campo há já três décadas.
Misses e Mister
Taylor já não eram garotinhos, embora gostassem daquele ritual célebre de
esconderem a idade, orçada de qualquer maneira lá pela casa dos sessenta, é o
que se dizia a boca pequena, na pequena comunidade onde viviam, em Little Town,
República da Guiana.
– Acho melhor
cortar a rede – volveu Susan sintomaticamente. – Oh, meu amor! Você se enredou
de tal forma que não vejo outro jeito de tirá-lo daí...
– Tira essa merda
logo, Susan! – esta frase foi proferida em português mesmo, com toda a ênfase
que a situação exigia. – Não importa se estragar!
– Tá bom... – dizia
ela sem perder o bom humor. – Vou cortá-la...
Logo depois Mister
Taylor já estava livre da rede.
– Mas como você foi
se enrolar na rede, Charles?
– Eu estava
observando aquele casal de uirapurus de ontem, você lembra deles?... Pois eu
tinha me esquecido da posição exata onde tinha armado essa merda!... Eu fiquei
puto com a minha distração, aí saí arrastando a porra da rede que nem um
alucinado...
– Calma, Charles!
Nós temos dúzias destas redes em casa!
– Eu sei que temos,
Sue! Só me preocupa a minha desatenção dos últimos tempos... Acho que estou
ficando velho, sabe...
– É natural, meu
querido. É óbvio que nós já não somos tão jovens de quando aqui chegamos...
Você se lembra? Foi na década de oitenta...
– Se me lembro?
Claro que eu me lembro! Como poderia esquecer. Acho que eu tive a mesma
sensação dos portugueses há cinco séculos, a de ter encontrado o paraíso...
– Sabe de uma
coisa, Charles? Eu ainda penso que estamos nele, apesar de tudo. Apesar do
desmatamento, da ganância humana, da ignorância...
– Se nós não
tomarmos muito cuidado com isto aqui, em poucas décadas a maior parte deste
nosso paraíso terá desaparecido...
– Você acredita
mesmo nisso?
– Olha o que nós
fizemos com as florestas da maioria do planeta... O que os próprios brasileiros
fizeram com a Mata Atlântica... Às vezes eu tenho muito medo, Sue.
– Você acha que
pessoas como o Tanaka, por exemplo, deixariam?
– O Tanaka?! Aquele
japonês só quer enriquecer, meu anjo! Ele não tem qualquer comprometimento com
a sobrevivência da floresta, o que ele quer é engordar sua já bojuda conta
bancária no Japão.
– Você está sendo
injusto com o Tanaka, Charles! Eu gosto muito dele. Ele é muito nosso amigo...
– Nosso amigo, é?
– O trabalho dele
depende diretamente da floresta. Se não houver Amazônia, ele perde a “bojuda
conta bancária no Japão”.
– Ele não depende da
floresta, Susan! Que espécie de blasfêmia é esta que você está dizendo? Além do
mais, se um comerciante perde sua fonte de renda ele migra pra próxima...
– Não o Tanaka,
Charles! O Tanaka está tão envolvido com isto daqui quanto nós...
– O negócio do
Tanaka é exportar arroz, minha querida. Mais nada além disso.
– Não seja tão
exigente com ele, Charles Taylor. É preciso que se tenha um pouquinho de benevolência...
– E uma pitada de
pusilanimidade também, não é?
– Deixe de ser tão
pessimista, Charles! O mundo sobreviverá a nós...
– Espero que sim,
my darling! E você será canonizada pela Igreja Católica em 2100... “Santa Susan
Chapman”...
– Deixe de ironias,
seu bobo. Nós ainda temos muito que fazer por hoje...
– Mas logo agora
que estávamos tratando da sua canonização?
– Recolha suas
coisas, Doutor Taylor! Nossos passarinhos nos esperam em casa...
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