quinta-feira, 26 de julho de 2012

O SENHOR DAS ÁGUAS - UNIDADE XI - CAPÍTULO 2


Flávia seria aquele mosquitinho inconseqüente, que, por uma questão egocêntrica, jamais percebera que o mundo não cabia no orifício de seu lindo umbigo em forma de precipício...

Ela voltava da academia, como sempre fazia todo santo dia: Linda! Suada! Sarada! Deliciosa!

Esculturalmente nascida para o desejo de qualquer homem disposto a nadar em superfícies rasas, porém não para homens talhados para águas profundas, heróis de sagas que derrotam monstros marinhos e iniciam civilizações prósperas, embora aquele herói ferido, que jazia ali, a dois passos das suas roupas justas, acreditasse que a amava no mais profundo do seu ser. Naquela circunstância, inconscientemente, descobrira que fora vítima de um engodo monumental...

Que nenhuma beleza na face da Terra o levaria a se enganar de novo, pois certas tragédias têm o dom de sacudir o espírito demasiado cego desses heróis combalidos.

Flávia entrou em casa...

quarta-feira, 18 de julho de 2012

O SENHOR DAS ÁGUAS - UNIDADE XI - CAPÍTULO 2


      A cama não saíra do seu lugar; nem os tapetes, móveis, cortinas, e o que mais fosse. Aliás, o tempo parecia ter congelado dentro daquelas paredes lacrimejantes. Nem uma brisa sacudia as cortinas lacradas; nem um rangido das estruturas daquela cama bem torneada, caríssima, para constatar que ali ainda havia vida inteligente.

       Tudo escuro.

       Até a respiração supunha uma paralisia completa da carne estagnada, como o monturo do gado locomovente, depois que a comitiva passa através de alamedas de capim rasteiro, este sim propenso às temperaturas mais altas que se tem notícia...

No entanto, o corpo que jazia imóvel naquela cama estática, diante da escuridão muda, ainda refletia...

É verdade que se tratava ainda da mesma ladainha repetitiva e quase psicótica, e que os questionamentos giravam em círculos cada vez mais concêntricos, o que certamente levaria a um afogamento absoluto da psique se nada fosse feito...

Mas o estopim da revolta caberia a uma personagem quase inocente, se não fosse sua insensibilidade absurda...

Muitas vezes, diria seu pai com aquela sabedoria herdada das adegas espanholas espalhadas pelo Rio: “engole-se um elefante e engasga-se com um mosquito”...

segunda-feira, 9 de julho de 2012

O SENHOR DAS ÁGUAS - UNIDADE XI - CAPÍTULO 1


       Nos dias que se seguiram a este episódio, tanto a Polícia Federal quanto o setor de inteligência do Exército, disponibilizaram todos os recursos para encontrar e prender os responsáveis pela chacina no 7º PEF de Uiramutã...

       O acampamento clandestino e a pista de pouso que os traficantes haviam improvisado no meio da floresta Amazônica, foram destruídos...

       Mas este era o menor dos problemas...

       Entrou-se em contato com as forças armadas venezuelanas para que elas colaborassem com suas congêneres do Brasil, o que também não foi nenhum inconveniente...

Na teoria, o assunto “drogas” polemizava multidões nos quatro cantos do mundo...

Todavia, é dispensável dizer que nenhuma pista dos prováveis colaboradores do megatraficante internacional, agente duplo venezuelano, Nestor Amarilla, foi encontrada nos dois países...

       E o pior!...

       O próprio Amarilla, que estava sob a custódia da PF em Boa Vista, escapara das instalações do órgão na capital do estado de Roraima sem deixar indício de quem o ajudara, ou aonde ele poderia ter ido...

segunda-feira, 2 de julho de 2012

O SENHOR DAS ÁGUAS - UNIDADE X - CAPÍTULO 3


Os três oficiais superiores se negaram a olhar para Felipe...

Parecia que os três compreendiam todo o seu drama, contanto desconhecessem todas as implicações emocionais criadas entre Felipe e Celha.

Barreiros passou a se dirigir a Pessanha, como se não houvesse mais ninguém por ali.

– Nós vamos empenhar todo o aparato disponível para caçar esses criminosos... Só vou descansar quando os vir encarcerados... – o silêncio reinou por um longo instante, depois ele falou com uma frieza calculada, talvez para não chorar ele próprio: – O Senhor retornará ao Rio de Janeiro, Tenente Corrientes...

– Por favor, General – disse Felipe, entre um soluço e outro. – Permita-me acompanhar de perto as investigações dessa chacina, Senhor...

– Felipe – disse o general, paternalmente. – Eu tenho um filho da mesma idade que a sua... Ele não quer nada com o Exército, o safado... Eu sei perfeitamente como você está se sentindo, o quanto representava pra você este trabalho, e, acima de tudo, como você gostava dos seus companheiros... Major Pessanha – disse Barreiros, categórico, tentando dar um ar grave que absolutamente não sentia, compungido com a dor de seu oficial. – Eu quero três semanas de licença para o Primeiro-Tenente Corrientes. Emita o pedido já.

– Sim senhor...

E lá foi o Pessanha cumprir uma ordem que se imaginava cristã, mas que, na verdade, não lhe pareceu simpática, como uma ferida profunda, como se o punhal do inimigo se lhe enterrasse até o cabo em seu ventre.

– Tenente Corrientes... – volveu Barreiros tentando parecer duro, mas que soou caricato. – O senhor está dispensado do relatório. Isto é uma ordem.

Felipe não perdeu tempo com uma frase decorada...

Saiu carregando toda a dor do mundo, agora para sempre justificada, qual um Atlas escatológico, mas que agiria com a fúria de um Agamêmnon vingativo...

A vingança, pensou um Felipe enlouquecido pela dor, é a única forma de justiça num mundo torpe, onde os prevaricadores e pusilânimes é que governam.