Para aqueles que acreditam que os homens deste planeta são a única espécie viva e inteligente deste imenso universo que nos circunda, e, graças a Deus eu não sou um desses, neste sentido posso dizer, sim, estou livre de cometer tamanha estupidez, eu recomendo um livro maravilhoso, antigo, mas do qual só tomei conhecimento há poucos dias, quando procurava alguns quadrinhos antigos da minha infância para recordar. Na verdade a história soará quase como uma anedota, para alguns, embora na minha leitura tenha ficado um sabor de tragédia shakespeareana, entretanto, qualquer que seja a sua opinião, caro leitor, você terá, de uma maneira ou de outra, um ensinamento: de como não devemos nos comportar quando nos depararmos com a primeira civilização inteligente nesta galáxia...
Imaginem uma Terra futurística... Neste mesmo século XXI, um pouco mais para a metade dele...
Agora imaginem que nesta hipotética sociedade terrestre do futuro a humanidade, devido a seus progressos científicos, tenha estendido seus domínios exploratórios a vários cantos da galáxia...
Um parênteses: é engraçado que este desejo esteja encravado no coração dos mitos modernos da humanidade, pois eu também acredito que não iremos demorar muito para realizá-lo, haja vista que não faz muito tempo se dizia que o avião jamais levantaria voo do chão, e este sempre foi um antigo desejo humano...
Voltando a vaca espacial... Nesta sociedade do futuro, descrita brilhantemente por Brian Aldiss, vários planetas semelhantes à Terra foram encontrados, curiosamente nenhuma civilização aos moldes da humana existia, e aqui começa o fantástico enredo deste romance excelente, pois ele se baseia num grande preconceito que nós falamos na introdução desta matéria, qual seja, o de que dificilmente nós encontraremos uma civilização baseada nas mesmas primícias desta nossa, pseudocientífica e tecnocrática, e aqui cabe a primeira pergunta: será que nós a reconheceríamos como tal, se ela não fosse baseada nos mesmos paradigmas que os nossos?
Se nós, "humanos superiores", não reconhecemos nem mesmo certas diferenças culturais existentes em nosso globo, como enxergaríamos uma inteligência diferenciada, baseada em valores aos quais nós desprezaríamos?
Pois esta é a grande sacada de Aldiss em Os Negros Anos. Uma civilização, a nossa, que ainda acredita na guerra, e, mais do que isso, estimula-a como incremento comercial, não poderia mesmo enxergar uma civilização pacífica, cujos principais ritos religiosos consistem na defecação coletiva como homenagem à essência sagrada que se mistura na terra a fim de fertilizá-la duplamente: no sentido orgânico e no puramente ritualístico transformador.
Pois esta sociedade "animal", encontrada num dos inúmeros planetas que nossa "sociedade limpinha" explora ao longo da galáxia, criou uma tecnologia de navegação espacial superior a nossa, mas a sua infelicidade, quer dizer, baseada no nosso ponto de vista, é que eles não desenvolveram nenhum objetivo comercial predatório com estas viagens, mas sim puramente místico, já que possuem uma inclinação a verem no universo uma manifestação sagrada da existência, e, ainda que possuam também um sistema de comunicação sônico muito mais aperfeiçoado do que as nossas gramáticas estapafúrdias, não são reconhecidos como inteligentes por nossas brilhantes mentes acadêmicas, e, para piorar a sua situação, são seres absolutamente pacatos, feios, possuem duas cabeças, tem um aspecto reptilóide, meio assim, próximo a tartarugas, seis pernas que encerram seis mãos, com seis dedos e dois polegares em cada uma delas, em suma, são monstros repelentes pelos nossos padrões estéticos e a nossa sociedade odeia tudo aquilo que é diferente.
Porém ainda há mais, e Aldiss nos diz com uma nota fúnebre: a guerra nos é tão importante sob o ponto de vista comercial, e eu diria, da imbecilidade humana, que esta maravilhosa civilização do futuro implanta-a em outros orbes colonizados por nós, como uma manifestação atávica da profunda inteligência humana!
Resultado final: ao fim do romance, os utods, essas criaturas pacíficas e superiores, "sujas", "decrépitas", detentoras de uma tecnologia verdadeiramente limpa, estão praticamente extintas, como resultado das guerras de exportação.
Conclusão: não há futuro para uma civilização predatória que não enxerga a si mesma num contexto cósmico.
Um dado engraçado neste romance de Brian Aldiss, Os Negros Anos, nos diz respeito diretamente, a nós, brasileiros, é que o autor, inglês, em mais uma crítica ao imperialismo anglicano, antevê uma guerra entre a sua Inglaterra e o Brasil como pano de fundo. Resta saber se aqui vai outra crítica ao nosso futuro, ou seja, se nós, os chamados países emergentes, estamos dispostos a basear este desenvolvimento nas mesmas regras caducas que imperaram nas grandes potências do passado. E, sinceramente, não fica claro se assim pensa o autor. Esperemos que ele esteja redondamente enganado...
Pelo menos nisto!
PS: Outro dado sui generis, extrapolando a tese deste livro, elocubração minha, que muitos chamariam delírio: neste livro talvez esteja a explicação, observada pelo autor, ou por consequência de sua ideia, do facto dos governos institucionalizados, e, por conseguinte, as forças armadas e a comunidade científica, negarem sistematicamente a presença de civilizações desconhecidas de fora da Terra em nosso planeta...
O que será que foi observado de tão assustador pelas "autoridades" constituídas para manterem a opinião pública no escuro...?
E agora para encerrar de facto, porque esta matéria já está muito grande, falta dizer que isto é ventilado em algum momento no romance, isto é, no auge da crise de valores em que a nossa civilização hipotética do futuro se encontra, pelo fato de não conseguir definir se os utods são inteligentes ou não, chega-se a sustentar a ocultação da existrência dos mesmos, visto que o choque de valores é tão acentuado que as autoridades se encontram num beco sem saída conceitual...
Será que foi isto que aconteceu conosco na realidade...?
Qualquer semelhança talvez tenha sido mera coincidência...
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