À medida que os
pesados coturnos trituravam as folhas mortas, num faf-faf irregular, átono, um
caminho extremamente tortuoso descortinava-se-lhes diante dos olhos súplices...
Eles sabiam que
podiam morrer...
E pior... Pra
muitos deles... Ficar para sempre numa cadeira de rodas... Babando pela boca
passiva sem palavras... Aceitando tudo sem discutir... Tudo imposto sem vontade
própria... Sem escolha... Sem poder se mover... Reagir... Tornar-se um inválido
inútil inconsequente...
Os ruídos
ameaçadores da floresta, como sussurros fantasmagóricos incontroláveis,
causavam uma sensação desagradável, aquecendo-lhes demasiado o estômago frágil...
Sinal de tensão
emocional crescente segundo a medicina tradicional chinesa...
A respiração pesada
misturava-se ao suor melado da umidade sempiterna...
Os corações
acelerados bateram mais rápido ao soar daquele uivo sibilino; mais um dentre
tantos chamados desconhecidos...
Sem querer, Celha
Regina, que estava atrás de Felipe, mas bem colada a ele, segurou em sua
mochila de equipamentos...
Ela parou,
assustadíssima, observando aquele ambiente hostil, mesmo para uma pessoa
acostumada a ele, enquanto o companheiro prosseguia a sua caminhada, liderando
o grupo. Entretanto, ele pararia logo depois, inconscientemente, procurando por
Celha, que, presa ao chão ervado, como a prisioneira de uma ratoeira inerme e
gigantesca, de onde não há saída, buscava uma resposta a uma pergunta
impronunciável...
Seus companheiros,
soldados rasos, todos eles descendentes de índios, em menor ou maior grau,
acompanhavam este sentimento prépânico, pois eles também tinham medo de morrer...
– O que foi? –
perguntou Felipe, estranhando a atitude da amiga, mas é que ele sentira sua
ausência espiritual.
– Este lugar me dá
arrepios, sabia? – disse ela, olhar atônito, buscando os responsáveis por
aquela aquarela sonora, olhando através dos companheiros de armas como se
estivesse apenas ela e seu medo.
– Como é possível,
Celhinha? – Sussurrou Felipe, apenas para ela ouvir, pois não quis dar crédito
aos medos efêmeros que contaminavam a todos. – Nós estamos carecas de circular
por aqui.
– Eu sei, mas agora
é diferente...
Ela procurava por
uma ou várias sombras; não sabia ainda, embora o resultado desta busca viesse
logo a seguir, e não era nada concreto, contanto imediato...
– O que pode ser
diferente nesta floresta tropical?
– Tantas coisas. Me
admiro você esquecer isso.
– Eu não esqueci
nada!
– Eu sei.
– O que está
acontecendo, Celha?
– Você não
desconfia de nada?
– Desconfiar do
quê?
– Há algo de errado
nesta história.
– Você quer fazer o
favor de ir direto ao ponto!
– Não fique
agastado comigo. Mas eu estou me sentindo tão... tão... sozinha.
– Sozinha?! Olhe a
sua volta...
– Eu sei... Alguém
já disse certa vez: “uma solidão infestada de presenças”.
– Você está tão
esquisita, Celha! Sabia?
– Porque estou
tendo uma sensação desagradável...
– Compreendo...
Aquelas coisas de mulher, não é?
– Não; engano seu.
São coisas de ser humano. Ser humano sensível. Ser humano que quer...
– Que quer?
– Você não está
percebendo nada mesmo?!
Felipe sentou-se no
chão, atapetado de defuntos vegetais, um tanto enfarado...
Tudo isso de certa
forma sussurrado...
Os soldados, alguns
deles, o imitaram...
Depois do fato
consumado ele fez um gesto de assentimento...
Celha,
naturalmente, deixou o comando do grupo ao seu dispor...
– Você poderia me
esclarecer, que tal? – volveu Felipe, enxugando o suor da testa pintada para a
guerra, como manda o figurino indígena, copiado na guerra pelo homem branco
vilão.
– Nós não vamos a
lugar nenhum... – disse Celha. Felipe fitou-a com uma expressão de quem acabara
de ver um saci Pererê. – Vamos voltar e sair desta missão...
– Como assim? Não
tô entendendo nada!
– Ah, meu Deus,
Felipe, não acredito que você seja tão mongo assim! Você não percebeu que tem
alguma coisa errada?!
– Totalmente
errada! Eu nunca vi você tão esquisita assim!
– Mas não é comigo,
Corrientes! – esta ela disse para que todos pudessem ouvir, impessoal, o que
deixou a tropa realmente alerta. – Trata-se desta situação!
– Ah, sim... Eu
sei... Claro que percebi – voltaram a sussurrar. – Porque você não me explicou
logo de uma vez?
– É o que estou
tentando fazer desde o início! É muita coincidência estarmos todos juntos nesta
missão, você e o seu desafeto...
– Porém há outras
pessoas que não estão ligadas diretamente na picuinha entre eu e o Siboldi... –
o gesto abrangente de Felipe incluía toda a tropa.
– Neste momento, em
outro ponto da reserva, estão o Siboldi, o Mascarenhas e o Gusmão. Nós fomos
separados e mandados por um caminho diferente... As duas facções em conflito.
– Nós não somos
exatamente duas facções em conflito, Celha... – ela olhou furibunda para ele. –
Está bem! Admito que coincidências assim nunca venham por acaso, mas as ordens
foram dadas por Paglia.
– Nenhuma dúvida
quanto a isso, mas eu duvido que não fosse coisa do Siboldi nos mandar
separar...
– Realmente... Mas
o que você quer fazer?
– Vamos sair desta
trilha...
– Você quer voltar?!
Mas qual a explicação que vamos dar ao Siboldi para descumprir as ordens dele?
– Você tem uma
alternativa pra não cairmos na armadilha dele?
– No momento nada
me ocorre...
– Vem comigo...
– Mas e estes
soldados?!
– Eles farão o que
nós dissermos!
– E os
comunicadores portáteis?
– Desligue-os. Deixe
o resto comigo...
Todo o trajeto já
iniciado foi feito ao contrário...
De fato, nenhum dos
homens questionou a improvisação...
Eram todos soldados
rasos...
Índios!
Para eles tudo não
passava disto...
Improvisação.
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